Morreu o último dos Violinos
"Tenho quatro netos, sei que amanhã me vou embora, e penso que eles depois passam por aqui [no local onde se encontra a estátua de bronze com que foi homenageado em Paço de Arcos] e podem dizer aos filhos deles, ou aos netos, o que o avô deles fez pelo Paço de Arcos, pelo concelho [de Oeiras], por Portugal."Jesus CorreiaPública, 20-7-2003Jesus Correia, o último dos Cinco Violinos - nome com que ficou consagrada a linha atacante de futebol do Sporting nos anos 40 e 50 - morreu ontem, em Paço de Arcos. Tinha 79 anos.Daquela linha foi o único a assistir à inauguração do novo estádio do clube de Alvalade, a 6 de Agosto passado, onde deu o pontapé de saída para o jogo de estreia entre os "leões" e o Manchester United. Menos de quatro meses volvidos a morte surpreendeu-o na sua residência em Paço de Arcos. Sobrou uma vida repleta de êxitos desportivos que lhe renderam um lugar maior na galeria do desporto português.A sua carreira desdobrou-se entre o futebol, no Sporting, e o hóquei patins, no Paço de Arcos, duas actividades que o celebrizaram e onde averbou inúmeros sucessos, tanto ao serviço dos dois clubes, como nas selecções nacionais. A natação e o ténis também cedo despertariam as suas atenções, mas por manifesta falta de tempo, o seu campo de acção haveria de ficar "reduzido" às duas primeiras.No futebol, sempre ao serviço do clube de Alvalade, ficou conhecido como o "Necas" e na companhia de Travassos, Peyroteu, Albano e Vasques deu origem aos Cinco Violinos, uma das mais temíveis linhas atacantes do futebol português que esteve na origem da hegemonia sportinguista nos anos 40 e 50. Uma denominação que ficaria a dever-se ao jornalista Tavares da Silva (que mais tarde viria a ser seleccionador nacional) que, pela primeira vez, utilizou tal designação num artigo publicado no já extinto "Diário de Lisboa", como revelou à PÚBLICA o próprio Jesus Correia, numa das suas últimas entrevistas, publicada há cerca de cinco meses: "Foi por causa de um jogo nas Salésias contra o Vitória de Setúbal. Jogámos uma coisa doida. No outro dia, o Tavares da Silva, que era um grande jornalista, não sabia o que havia de pôr no 'Diário de Lisboa' e chamou-nos os Cinco Violinos."No hóquei patins, modalidade que praticou durante 16 anos, foi por seis vezes campeão do mundo, cinco da Europa, conquistando ainda quatro taças europeias de clubes ao serviço do Paço de Arcos, formação que, como sucederia com o Sporting, no futebol, representaria com total fidelidade ao longo da carreira. No total haveria de conquistar 57 títulos, envergando por 142 vezes a camisola da selecção nacional.Nascido no dia 3 de Abril de 1924, a paixão pelo futebol de António Jesus Correia despertaria cedo. Com apenas 13 anos ingressou na Associação Académica de Paço de Arcos e três anos mais tarde tentaria a sua sorte no Belenenses, sem sucesso, chegando posteriormente a assinar um contrato com o Estoril Praia. O Sporting, contudo, trataria de desviar o futuro extremo direito do clube da linha de Cascais. A diligências do seu patrão no Grémio dos Armazenistas de Mercearia, onde trabalhava, que era dirigente leonino, os contactos com então treinador sportinguista José Sezabo e um envelope com dez contos acabariam por ter um peso definitivo na sua opção por Alvalade.A sua estreia, pelas reservas do Sporting, surgiria em 1943, contra os Unidos de Lisboa. No final da temporada 1944-45, já no escalão principal do clube, seria decisivo na conquista do seu primeiro troféu no futebol, ao apontar o golo solitário frente ao Olhanense que valeria a Taça de Portugal, numa partida disputada no campo das Salésias e onde alinhou lesionado.Na memória ficaram igualmente os seis golos que apontou em Madrid frente ao Atlético de Aviácion (actual Atlético de Madrid), todos no decorrer dos primeiros 45', num encontro em que os "leões" venceram por 6-3. "Foi de tal maneira que - contava-se por graça - durante muito tempo as mães espanholas diziam aos filhos: 'come a sopa, senão vou chamar o Jesus Correia'..." (PÚBLICA, 20-7-2003)A sua carreira como futebolista não seria, porém, longa. Com apenas 28 anos tomou uma das mais difíceis decisões da sua vida: optar entre o futebol e o hóquei em patins, actividades que deixaram de ser compatíveis em termos profissionais. Para desgosto de muitos, os patins levariam a melhor e para trás ficariam sete títulos de campeão nacional, três Taças de Portugal e 13 internacionalizações.Em 1956 pôs um ponto final na sua carreira desportiva enquanto praticante, desempenhando ainda o cargo de seleccionador nacional de hóquei, onde conquistou dois campeonatos da Europa. O corpo de Jesus Correia está desde ontem à tarde em câmara ardente, no Salão Paroquial da Igreja de Paço de Arcos, e o funeral realiza-se hoje no Cemitério de Oeiras, com o cortejo fúnebre a sair da igreja às 16h, após uma missa de corpo presente.