Relatório do SIS revela que em 2000 havia cerca de 900 crianças envolvidas na prostituição infantil
Caracterizando a situação portuguesa, o documento do SIS realça: "Nos últimos anos têm coexistido em Portugal dois tipos de estruturas promotoras da prostituição infantil: as organizações internacionais, muito orientadas para a produção de fotografias e filmes pornográficos; e as micro-redes nacionais, mais vocacionadas para a prostituição simples". O relatório sublinha a "existência de pontos de articulação entre os dois tipos de estruturas, servindo as últimas, por vezes, de mecanismo de recrutamento das primeiras".
Relativamente à proveniência das vítimas, o SIS não faz qualquer alusão concreta a uma alegada rede a operar na Casa Pia. Limita-se a dizer que algumas das vítimas "estão ao cuidado de instituições sociais" e também de "avós, tios e vizinhos", residindo em zonas degradadas. Aqui, acrescenta o documento, "coabitam com muitas pessoas em situação económica precária e frequentemente ligadas a actividades ilícitas" (furtos, receptação, consumo e tráfico de estupefacientes).
É deste cenário de carências (materiais, afectivas e sociais) que tentam escapar muitos menores, que optam por "vaguear pelas ruas à procura de uma 'família' imaginária, que acaba, às vezes, por encontrar, dramaticamente, na pessoa do pedófilo". As crianças da rua também não são indiferentes ao apelo consumista e dificilmente resistem "à aquisição de determinados bens, ainda que a sua obtenção implique a troca de favores sexuais. Assim a prostituição infantil acaba por ser encarada como mais uma fonte de rendimento", explica o SIS.
Regresso difícil ao mundo normalA faixa etária das vítimas da exploração sexual oscila, segundo o SIS apurou há três anos, entre os nove e os 16 anos, tendo a maioria mais de 14 anos". O relatório revela que, "em muitos casos, a vítima da exploração sexual, deslocada de uma sociedade que o marginaliza, passa mais tarde de agressor ou de delinquente, para o papel de engajador". "É difícil o regresso ao mundo normal".
O trabalho de campo do SIS envolveu a aquisição de algumas dezenas de telemóveis, posteriormente oferecidos a jovens prostitutos. As chamadas recebidas permitiram elaborar um perfil dos pedófilos. "Em Portugal", recorda a "secreta", "quem procura e paga os 'serviços' são normalmente homens de condição social elevada, frequentemente estrangeiros (sobretudo ingleses, holandeses e franceses), muitos deles já indiciados ou condenados por crimes sexuais nos seus países de origem".
O pedófilo português tem um perfil que se "enquadra nas categorias definidas mundialmente: sociável, ocupa uma posição privilegiada na sociedade e desempenha frequentemente actividades que facilitam o contacto com as crianças": professores, treinadores desportivos, sacerdotes, fotógrafos. O relatório define uma escala de risco e salienta que "os pedófilos mais perigosos são aqueles em quem a vítima confia, tornando-se quase sempre insuspeitos (um familiar ou um amigo da família)".
Na fase de aliciamento, o relatório realça que o "pedófilo se apresenta como a pessoa capaz de dar resposta às necessidades financeiras, alimentares ou outras do menor". "É vulgar também a aproximação às famílias, deslumbrando-as com presentes", acentua o SIS, a quem também não terá escapado um expediente dos que agenciam o abuso sexual crianças: "A infiltração em organizações de menores, de modo a terem acesso mais fácil às vítimas e a conquistar-lhes a confiança".
O relatório da "secreta" estabelece ainda uma distinção entre o pedófilo homo e heterossexual. Recorda que o primeiro é um consumidor "exacerbado de pornografia infantil" e que pretende "ter com a criança uma relação de irmão mais velho, sendo simpático e seleccionando os menores mais isolados para obter os seus favores sexuais". Pelo contrário, "o pedófilo heterossexual faz uso de uma estratégia coerciva em relação ao menor", recorrendo "muitas vezes ao álcool, mostrando-se tanto mais violento quanto a vítima lhe é mais desconhecida".