Siza Vieira propõe torres mutantes para Alcântara
As torres - um cilindro, uma barra e uma terceira com uma forma que se aproxima de um tronco de pirâmide - elevam-se acima do nível do tabuleiro da ponte 25 de Abril, que funcionará como um contraponto àquelas construções, feitas em materiais diversos. Elas não se mostrarão com uma imagem fixa e poder-se-ão ver com diferentes caras, à medida que as pessoas se desloquem na zona de Alcântara, podendo em determinados ângulos tomar a expressão de uma lâmina.
O projecto, que se poderá traduzir num investimento de 180 milhões de euros, foi ontem apresentado nas instalações da antiga fábrica de açúcar da Sidul, na Av. da Índia, num dos edifícios que fazem parte da propriedade adquirida há 12 anos pelo grupo Silveira, com 4,5 hectares de terreno, situada entre a Av. da Índia e os terrenos da Carris.
A opção de Siza Vieira para esta zona "ímpar" da cidade foi construir em altura, porque, defendeu, assim se podem libertar vastos espaços verdes e de usufruto público: cerca de 3,3 hectares, segundo os dados ontem revelados. No projecto colaboram também os arquitectos Luís Mendes e Carlos Castanheira.
Para o arquitecto portuense, entre as construções que ali existem actualmente - exemplos da arquitectura industrial do início do século passado - apenas é de manter "uma casa pombalina, construída sobre arcos", que, em seu entender , "deve ser recuperada e valorizada", podendo dar lugar "a galerias de arte ou a um café". O projecto inclui ainda uma construção baixa, que faz a ligação à beira-rio, e ultrapassa a barreira do caminho de ferro e da estrada.
O empreendimento, que dá pelo nome de NovAlcântara, deverá ser maioritariamente constituído por habitação, componente que ocupará 60 por cento da área total de construção - 92 mil metros quadrados - e 40 por cento de escritórios, a par de uma pequena área de comércio, que poderá surgir na estrutura de ligação ao rio. Três parques de estacionamento, disseminados entre os vários edifícios, com um total de 2.250 lugares, fazem também parte do projecto, que inclui ainda a construção de uma alameda quase perpendicular ao rio.
A proposta de Siza Vieira não cumpre os actuais limites de cérceas impostos pelo Plano Director Municipal (PDM), que apenas permite construções com 25 metros de altura, mas esse é o desafio que o arquitecto e os promotores pretendem lançar à cidade. Ainda assim, os promotores entendem que há uma hipótese de o projecto vir a ser aprovado: se ele for considerado pela autarquia como um projecto de interesse social e económico, disse Pedro Silveira, administrador executivo do grupo Silveira, citando um artigo do regulamento do PDM que admite a hipótese de excepcionalmente a câmara o aprovar, apesar das elevadas cérceas.
Siza disse ter analisado uma outra hipótese, de construir nos limites do PDM edifícios com oito pisos, mas a ocupação do espaço gerada por essa opção iria densificar excessivamente a zona. "Pareceu-me monstruoso, resultava numa espécie de casernas e ficava muito denso", salientou Siza, admitindo, porém, que as suas torres possam provocar "algum receio".
Santana gostou da provocação"As torres de Siza", como ontem lhes chamou Santana Lopes, não atemorizam o presidente da câmara, que considerou o projecto "muito interessante". Santana Lopes admitiu no entanto que as torres possam gerar polémica, algo que diz não temer. "Este projecto enriquece culturalmente a cidade e enriquece o debate sobre o ordenamento urbano", disse Santana Lopes, lembrando que o PDM está actualmente em revisão, devendo hoje ser apresentado publicamente um primeiro relatório elaborado pela equipa encarregue de executar esse trabalho.
"É bom que tomemos este projecto como um acto de cultura, um acto de desafio à comunidade", acrescentou o autarca.
Na sessão de apresentação do projecto da NovAlcântara participou também o presidente do Instituto Português do Património Arquitectónico, o arquitecto João Rodeia, um admirador confesso de Siza Vieira que, embora se tenha escusado a pronunciar-se directamente sobre o projecto, deu, com a sua presença, um sinal de que a proposta poderá ser vista com bons olhos pelo Ippar - entidade que terá de dar parecer aos projectos de edificação para ali previstos.