Quatro leis e muita polémica entre os 1200 escudos e a propina actual
Foi em 1991 que pela primeira vez se ouviu os estudantes do ensino superior a gritar: "Não pagamos." A intenção do Governo de Cavaco Silva em mexer no valor das propinas, que se mantinha inalterado desde 1941, era já uma certeza. E durante os três anos seguintes os alunos não deram tréguas. Demissões - caíram os ministros Diamantino Durão e Couto dos Santos -, conflitos institucionais protagonizados entre Governo e Presidente da República, manifestações atrás de manifestações, uma carga policial e o não menos famoso episódio levado a cabo por um grupo de estudantes que mostrou o rabo ao ministro Couto dos Santos foram alguns dos momentos que marcaram a contestação estudantil entre 1991 e 1994. Desde então até aos dias actuais foram publicados quatro diplomas que alteraram o sistema de propinas. Nenhum mereceu a aprovação dos estudantes, que, com maior ou menor regularidade, continuam a manifestar-se contra o aumento desta taxa. Ontem e hoje, os argumentos repetem-se. A luta prossegue, agravada pela recente aprovação da nova lei do financiamento do ensino superior.1992 Parlamento aprova a primeira e polémica "Lei das Propinas"O ministro Diamantino Durão não aguenta mais do que 138 dias à frente da pasta da Educação - sucumbe às sucessivas manifestações contra o aumento das propinas e a polémica Prova Geral de Acesso (PGA) - e é já com Couto dos Santos que é aprovada aquela que foi conhecida como a primeira "Lei das Propinas". Pela primeira vez em 50 anos, o Governo mexe neste valor, fixado em 1200 escudos. O aumento devia ser progressivo - começando por um mínimo de 50 contos (250 euros) em 1992/93, até alcançar os 200 contos (mil euros) em 1994/1995 - variável consoante a universidade. A partir deste ano lectivo, competiria aos senados das universidades e ao Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP) definir os montantes entre um mínimo - correspondente a 25 por cento do custo de ensino por aluno - e um máximo que não poderia duplicar o valor inferior previsto na lei. Foram definidos quatro escalões para o pagamento das novas propinas: isenção total, redução de 30 por cento, de 60 por cento ou pagamento integral, tudo calculado com base nas declarações do IRS. Não só se impunha actualizar o valor de 1941, como se tratava de uma questão de justiça social, argumentava o Governo. Mas quanto a este ponto eram muitas as dúvidas sobre a justeza do regime fiscal em vigor.O Movimento dos Estudantes Contra o Aumento das Propinas (MECAP) contesta, os reitores criticam, o Presidente da República tem dúvidas. Couto dos Santos anuncia o aumento da acção social e a Lei 20/92 acaba por ser aprovada pelo Parlamento a 25 de Junho.Os estudantes não baixam os braços, preparam boicotes às reuniões dos senados onde deveriam ser fixadas as propinas e, em Outubro, ganham novo fôlego, com Mário Soares a enviar a lei para o Tribunal Constitucional (TC). Havia dúvidas sobre se a progressividade do aumento dos preços não contrariava o preceito constitucional de que o ensino deverá ser "tendencialmente gratuito". Nos politécnicos, a propina é fixada em 57 contos. Nas universidades, deveria variar entre 50 e 64. Os alunos apelam ao "boicouto" às propinas, entopem os serviços de acção social com pedidos de isenção de pagamento, os reitores criticam e atrasam eles próprios a fixação dos preços. Resultado: durante todo o ano lectivo de 1992/1993 não houve forma de aplicar as novas regras. E o final do ano de 1993 ainda se veio a revelar mais difícil para o Governo. A 24 de Novembro, a polícia carrega sobre uma manifestação de estudantes em frente ao Parlamento. As críticas surgem de todos os quadrantes. Seis dias depois, os alunos fazem uma greve nacional. A 3 de Dezembro, Couto dos Santos é demitido e Manuela Ferreira Leite, então secretária de Estado do Orçamento, é convidada para a pasta da Educação. Pedro Lynce mantém-se na Secretaria de Estado do Ensino Superior. Entretanto, o TC pronuncia-se e apenas chumba a possibilidade de as propinas aumentarem para além dos 25 por cento do custo por aluno.1994 Manuela Ferreira Leite defende alterações à lei O início do ano começa de forma igualmente conturbada. A 6 de Janeiro, o PSD aprova no Parlamento uma nova proposta de lei sobre propinas. Mas nesse mesmo dia Manuela Ferreira Leite anuncia que vai voltar a mexer na legislação.A Lei 5/94 é votada ainda nesse mês, devendo ser aplicada em conjunto com a de 1992. Pretendia-se acabar com alguns dos problemas que ficaram a nu depois da sua entrada em vigor, como a importância atribuída ao apuramento dos rendimentos através do IRS ou o reduzido número de estudantes (apenas 25 por cento) que tinham de pagar a totalidade da propina.Assim, a propina diferenciada por instituição de ensino deu lugar à propina nacional única (o valor apenas seria diferente entre universidades e politécnicos), situada entre os 20 e os 25 por cento do custo por aluno. Em vez de quatro escalões passa a haver três (isenção para bolseiros, redução para metade do valor e pagamento integral). Nas universidades, a responsabilidade da fixação das propinas passa a caber ao Conselho dos Reitores das Universidades Portuguesas, e não aos senados. O IRS deixa de ser o documento único para avaliar a situação dos alunos que possam beneficiar de uma redução e passa para os serviços de acção social a responsabilidade de apreciar os processos de cada aluno bolseiro.Mas a verdade é que a contestação continuou e, tanto para os anos lectivos de 1993/94 como para 94/95, os reitores não fixaram os preços. O ministério teve de socorrer-se da prerrogativa prevista na lei e fixou as propinas em 80 e em 84 contos (cerca de 160 euros). Nos politécnicos, o valor rondou os 75 mil escudos.1997 PS indexa propina ao salário mínimo nacionalCom a chegada do Partido Socialista ao poder, abriu-se um novo capítulo na história das propinas. Pouco depois das eleições legislativas de 1995, a Assembleia da República aprova um diploma suspendendo a vigência das leis 20/92 e 5/94. Ou seja, repôs-se o regime em vigor em 1941, e confirmado em 1973, e os estudantes voltaram a pagar 1200 escudos anuais pela frequência dos seus cursos de ensino superior.Os socialistas defendiam a inclusão da questão das propinas no problema mais vasto do financiamento do ensino superior e foi isso que fizeram em 1997, com a aprovação da Lei-Quadro do Financiamento do Ensino Superior Público.No que respeita às propinas em particular, ficou definido que, independentemente dos rendimentos das famílias dos alunos, do estabelecimento de ensino ou do curso frequentado, o valor fixado seria sempre o equivalente ao salário mínimo nacional vigente no início do ano lectivo. Simultaneamente, fixou-se que essa taxa nunca poderia ser superior à actualização do valor fixado em 1941, calculada através do índice de preços do consumidor do Instituto Nacional de Estatística (ver acórdão do TC). O fim do regime de redução ou isenção de propinas devia ser compensado com a atribuição de bolsas de estudo.À nova lei os estudantes continuaram a dizer não, mas as manifestações e greves exigindo o aumento da qualidade do ensino superior e da acção social perderam o fulgor de outros tempos.2003 Taxas variáveis de escola para escolaFoi com o anúncio da reforma da legislação do ensino superior que a contestação estudantil voltou a ganhar visibilidade. O aumento das propinas, previsto na nova Lei de Bases do Financiamento do Ensino Superior (Lei 37/2003, de 22 de Agosto), é de novo o aspecto mais mediático nos protestos dos estudantes. As associações académicas multiplicam as iniciativas de contestação contra aumentos que se situam entre os 30 por cento e os 140 por cento, já que o valor mínimo da propina passa a estar indexado a 1,3 salários mínimos nacionais e o máximo decorre da actualização do preço estabelecido em 1941 (o que equivale actualmente a 852 euros). Reitores e presidentes dos institutos politécnicos criticam, por seu turno, a responsabilidade que lhes é atribuída de serem as instituições a fixar o montante, "em função da natureza e da qualidade dos cursos".