Rui Rio acusa Polícia Muncipal de "indisciplina" e desencadeia debandada
Subiu já para 80 o número de agentes dispostos a abandonar a Polícia Municipal do Porto em consequência do mal-estar que atravessa o corpo policial afecto à Câmara Municipal do Porto e que se avolumou com a substituição do comandante Salgado Rosa. Reagindo às notícias de que 50 elementos da PM tinham apresentado na véspera a petição de reingresso na PSP, o presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, acusou ontem os agentes de "indisciplina" e anunciou que o novo comandante, Jorge Barreira, tomaria posse já na próxima segunda-feira e não no dia 1 de Novembro, como estaria previsto. As acusações de Rio fizeram alastrar a crise. Além dos mais de 80 efectivos, seis graduados oficializaram ontem o pedido de afastamento, e o segundo comandante da PM, o sub-comissário Domingos Pereira, preparava-se também para seguir o mesmo caminho. Ou seja, de um total de 96 efectivos da Polícia Municipal do Porto, 87 querem sair.Na origem de toda a discórdia estão as denunciadas pressões de responsáveis autárquicos sobre os agentes, exigindo uma intervenção mais forte nas ruas por causa dos arrumadores e dos despejos municipais. Ontem, confrontado com as queixas, Rui Rio optou por acusar o "aumento da indisciplina" no seio da PM, uma reacção que agudizou a crise. "Os agentes deixaram de ter condições para trabalhar na PM", referiu um dos agentes ao PÚBLICO, para quem Rio "não tem legitimidade para pôr em causa a competência dos profissionais da polícia". Mais duro na reacção, o presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia (ASPP), Alberto Torres, lembrou que "Portugal não é, de maneira nenhuma, o Chile, nem os oficiais da polícia, que têm formação democrática, se podem comparar com Pinochet". Num comunicado emitido ontem à tarde, a ASPP reporta-se a queixas apresentadas pelos efectivos da PM para reiterar que a substituição do comandante Salgado Rosa decorreu do facto de este "não pactuar com determinações camarárias que poderiam levar os profissionais da polícia a exorbitarem competências legais". Lê-se no mesmo documento que "até um assessor do presidente da CMP tem chegado a intitular-se polícia, junto dos arrumadores, identificando-os e ordenando-lhes que entrem em viaturas ou se retirem do local". No comunicado, a associação acusa ainda Rui Rio de ter querido utilizar os agentes "de forma ilegal, para uma acção de despejo de uma instituição da cidade". Trata-se, recorde-se, da Coração da Cidade, uma instituição de solidariedade que tem funcionado sem a respectiva licença camarária."Parece que o presidente da CMP deseja ser dono e senhor de uma polícia que quer colocada ao seu dispor e não ao serviço do cidadão", revolta-se ainda a ASPP. Para esta associação sindical, a polícia não pode ser usada "para dar satisfação a compromissos eleitorais de políticos". "Os arrumadores são um problema social grave. Mas não é com chicote nem à custa da polícia que se vai resolver o assunto", disse Alberto Torres ao PÚBLICO.Fontes ouvidas pelo PÚBLICO confirmam estes episódios, ilustrando o que dizem ser a "ingerência" dos responsáveis autárquicos no trabalho da PM. E apontam várias atitudes que foram entendidas pelos agentes como represálias face à recusa destes em acatar algumas "ordens" camarárias. A título de exemplo, a fonte garantiu que a autarquia terá posto ontem vários fiscais de trânsito a controlar o trabalho dos polícias junto dos arrumadores. Ontem mesmo, multiplicavam-se as leituras entre os polícias quanto à presença de um funcionário autárquico, colocado nas instalações da PM desde o início da semana. "Essa pessoa aborda os munícipes que se dirigem à PM, perguntando-lhes se gostaram do atendimento e do serviço prestado pelos agentes", descreveu a referida fonte. A crise que se desencadeou levou ontem o subintendente Salgado Rosa a quebrar o silêncio a que se remeteu desde a passada segunda-feira. Em declarações ao PÚBLICO, o comandante demissionário para repetir aquilo que já tinha dito aos seus subordinados, na reunião que teve com eles anteontem, ou seja, que é preciso ponderação e bom senso. "Tem havido algumas reacções exageradas e irreflectidas", disse, sublinhando que a sua saída foi consensual e as ilacções tiradas pelos agentes "precipitadas". Compreendendo que "o pessoal está sentido e ferido por causa das acusações sobre indisciplina", o subintendente garante que a autarquia não desrespeitou a lei. O problema, reconhece, é que o ambiente criado favorece leituras exageradas. "A presença de uma funcionária da autarquia é um procedimento perfeitamente normal, visando "um levantamento estatístico com vista à melhoria da qualidade dos serviços". O mesmo se aplica ao papel dos fiscais camarários no âmbito da actuação junto dos arrumadores: "É um acto de cooperação e entreajuda perfeitamente normal entre serviços", concluiu, garantindo que "ninguém andou a controlar os agentes para ver se eles actuavam depressa ou a correr". Jorge Barreira, novo comandante da Polícia Municipal do Porto O novo comandante da Polícia Municipal (PM) do Porto, Jorge Barreira, não está preocupado com os últimos acontecimentos no seio daquela corporação. Em declarações ao PÚBLICO, o superintendente, que vai ser empossado na próxima segunda-feira, às 12h00, mostrou-se satisfeito com o regresso à cidade onde trabalhou durante sete anos. "Não vou com receios nem com expectativas. Gosto de saber das coisas 'in loco' para depois as poder avaliar", referiu. Questionado sobre as alegadas tentativas de "ingerência" por parte de responsáveis autárquicos, Barreira disse apenas acreditar que, daqui em diante, "tudo se passará de acordo com os cânones policiais". "Julgo que ninguém pretenderá violar a lei", sublinhou. Quanto ao descontentamento generalizado dos agentes da PM, Barreira opta também por desdramatizar o assunto: "Todos eles me conhecem. Naturalmente que uma pessoa num cargo de chefia não consegue agradar a gregos e a troianos, mas acredito que tudo correrá pelo melhor". Com 49 anos, Jorge Barreira trabalhou no Porto entre 1989 e 1996. Durante esses sete anos foi comandante da 1º divisão da PSP, cargo que viria depois a acumular com a chefia da 4ª divisão. Daí passou por Faro, Aveiro e Viseu, antes de partir para a Bósnia, onde esteve durante um ano. Até ontem ocupou a direcção do departamento de fardamento da direcção nacional da PSP, em Lisboa. "Estive sete anos afastado da família. Por isso, quando na [passada] terça-feira, o convite me foi feito, aceitei imediatamente", dizendo-se habituado a mudanças repentinas de funções. "Todas as minhas mudanças têm sido assim. Já desempenhei muitas funções na polícia, esta é mais uma", concluiu.