Investigadoras portuguesas vão estudar chimpanzés da Guiné-Bissau
As investigadoras - que organizam a I Conferência Internacional de Primatologia em Portugal, que decorrerá até sábado no ISCSP, em Lisboa - vão também aprofundar os contactos com várias entidades governamentais da Guiné-Bissau e com a população local, para puderem levar a cabo o seu projecto.
Cláudia Sousa já lá foi no ano passado e já se estabeleceram contactos com o Ministério da Agricultura, a Direcção-Geral das Florestas e da Caça e a Direcção-Geral do Ambiente. Também já pediram fundos à Administração norte-americana, através do Fish and Wildlife Service, que apoia projectos de conservação da natureza. Em Portugal, vão solicitar verbas à Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Por estarem em risco de extinção, a comunidade científica considera urgente o estudo dos chimpanzés da Guiné-Bissau, da subespécie "Pan troglodytes verus", até porque não se sabe ao certo quantos indivíduos há. Daí que a Conservation Internacional, com sede nos EUA, tenha incluído a Guiné-Bissau nas áreas a estudar com urgência, conta Catarina Casanova.
O risco de extinção não advém da caça de chimpanzés para consumo humano, como sucede noutros países, mas da destruição da floresta para fins agrícolas ou para obter madeira. Por isso, além da ciência, as investigadoras querem ajudar os habitantes a viver da floresta, ao mesmo tempo que a protegem.
Uma das áreas mais afectadas é a floresta de Cantanhez, junto ao mar, e é por aí que as investigadoras querem começar a protecção dos chimpanzés. A floresta está muito fragmentada, diz Cláudia Sousa. Depois, pretendem estender essa protecção ao resto das regiões onde há chimpanzés: ao Parque Natural das Lagoas de Cufada e à zona de Boé, está já encostada à Guiné-Conacri.
Se não se estudarem, os chimpanzés da Guiné-Bissau, na África oriental, podem desaparecer sem se ter conhecido a sua cultura, que pode ser diferente da dos chimpanzés do Uganda ou da Tanzânia, na África oriental. "É provável que haja diferenças culturais e é preciso conhecê-las depressa", refere Catarina Casanova.
Para já, sabe-se que têm um costume diferente de outros chimpanzés: dormem em cima das palmeiras. "Isso não é visto em mais sítio nenhum. Não sabemos a razão, mas pode ser por falta de vegetação", diz Catarina Casanova. Geralmente, os chimpanzés dormem no chão, em ninhos feitos com folhas e ramos.
Desde os anos 60, os estudos mostraram existir uma verdadeira cultura entre os chimpanzés, transmitida de geração em geração. Alguns usam instrumentos ou gesticulam de uma maneira que outros, a poucos quilómetros de distância, ignoram por completo. Como muitas dessas variações não podem atribuir-se a diferenças ecológicas ou geográficas, a variação cultural é a única explicação para comportamentos como certas maneiras de capturar formigas e abelhas ou quebrar nozes. Populações que vivem em locais afastados apresentam diferenças notáveis nessas práticas, tal como acontece nas sociedades humanas.
Às cientistas portuguesas não faltam exemplos de estações biológicas para estudos a longo prazo. A de Gombe, que a primatóloga Jane Goodall criou na Tanzânia, já tem quase 40 anos. Também na Tanzânia, no Parque Nacional das Montanhas Mahale, cientistas japoneses estabeleceram uma estação biológica no final dos anos 70. A floresta de Taï, na Costa do Marfim, é outro dos locais onde se observam primatas há mais de 30 anos. Dian Fossey também criou, no final dos anos 60, o Centro de Investigação de Karisoke, no Ruada - mas desde o fim da década de 80, já depois da sua morte, investigação aí feita é intermitente, devido à situação política conturbada.
A ideia é escolherem-se dois locais para a estação da Guiné-Bissau, refere Cláudia Sousa. Num ficará uma base mais científica, para estudos de comportamento e interacção entre os chimpanzés. No outro, as investigadoras querem estabelecer uma base virada para o ecoturismo, seguindo o exemplo do Ruanda, onde se paga para ver gorilas. O dinheiro destinar-se-á a beneficiar a população local.