Iraniana Shirin Ebadi é a primeira muçulmana a receber Nobel da Paz
A jurista iraniana Shirin Ebadi, 56 anos, recebeu ontem o Prémio Nobel da Paz. Segundo o Comité Nobel norueguês, a distinção visa o seu trabalho "pela democracia e pelos Direitos Humanos". Mas também, ou sobretudo, os seus esforços para conciliar "o Islão e os Direitos Humanos fundamentais". "Ebadi é uma muçulmana esclarecida", frisa o comité. Ela estava em Paris, a caminho do aeroporto para apanhar um voo para Teerão. "Estou estupefacta", disse a seguir numa conferência de imprensa. Homenageou João Paulo II que era, com o Presidente checo Vaclav Havel, o grande favorito deste ano: "Sempre admirei o Papa, e muito mais depois de ele ter condenado a intervenção americana no Iraque."Referiu-se à situação no seu país. "O combate pelos direitos humanos é travado em cada país pelo seu povo, e tal é o caso do Irão, e nós somos contra toda a intervenção estrangeira no Irão. (...) Actualmente, numerosas pessoas que lutam pela liberdade e pela democracia estão na prisão. O mais urgente é o respeito pela liberdade de expressão e a libertação dos presos de opinião."E abordou a questão de fundo. "O Islão não é incompatível com os direitos humanos e todos os muçulmanos se deveriam regozijar com este prémio. Se lerem o Corão, apercebem-se de que nada contém contra os Direitos do Homem. Há 20 anos que faço passar a mensagem de que se pode ser muçulmano e ter leis que respeitam os Direitos do Homem." Manifestou-se preocupada com a situação na Palestina e no Iraque.Tal como foi a primeira mulher muçulmana a receber o Nobel, foi também em 1974 a primeira mulher juiz no Irão, tendo presidido ao tribunal de Teerão. Foi afastada depois da revolução islâmica de 1979, do ayatollah Khomeini, que considerou que a magistratura era incompatível com o carácter "demasiado emocional" das mulheres. Inicia a seguir uma carreira de advogada e ensina na Universidade de Teerão. Tem duas filhas de 20 e 23 anos.É então que passa a ser confrontada com os problemas políticos e sociais decorrentes da islamização do país, que saiu duma ditadura laica para um regime teocrático. Defende o estatuto das mulheres e condena a obrigatoriedade do uso do "tchador". "O meu problema - disse em Junho numa entrevista ao 'Guardian' - não é o Islão, é a cultura patriarcal. Práticas como a lapidação não têm fundamento no Corão."Nesta linha tem lutado pelos direitos das crianças, pois o Código Penal iraniano discrimina as raparigas e os não muçulmanos, e sobretudo considera a criança "propriedade do pai ou da família paterna".Segue-se o salto para as questões abertamente políticas. Investigou uma série de mortes de intelectuais em 1998-99. Investigou e denunciou os incidentes na universidade da capital em 1999, quando os "guardiões da revolução" atacaram os estudantes em greve, provocando vários mortos. Na sequência deste caso, foi condenada a 15 meses de prisão, com pena suspensa, e à interdição do exercício da profissão por cinco anos. Em 2000, esteve presa durante 22 dias.Em 1997, desempenhou um papel importante na decisiva mobilização do voto feminino para a candidatura reformista de Mohammad Khatami, o actual Presidente. Politicamente, está próxima da Frente Nacional, de centro-esquerda. A atribuição do prémio pode ser lida como um sinal de apoio às mulheres e às forças reformistas do Irão que, apesar de controlarem o Governo, atravessam uma fase particularmente difícil. Mas o objectivo do comité norueguês é mais largo: distingue simbolicamente uma muçulmana moderna, num momento de grande tensão entre o Ocidente e o mundo islâmico, e num momento em que este se debate entre os impulsos de modernização e a expansão dos fundamentalismos. "É um apoio ao diálogo e a melhores relações entre o mundo ocidental e o mundo islâmico", resumiu o primeiro-ministro norueguês Kjell Magne Bondevik.