Nobel da Física para os supercondutores e superfluidos
Os três galardoados ontem com o Prémio Nobel da Física 2003, pela Real Academia das Ciências Sueca, foram pioneiros na investigação dos supercondutores, na década de 50, e dos superfluidos, na década de 70. O russo Vitali Ginzburg, de 87 anos, começou por explicar um dos tipos de supercondutores. O seu compatriota Alexei Abrikosov, de 75 anos, que se tornou cidadão norte-americano, descreveu um segundo tipo de supercondutores. E o britânico Anthony Leggett, de 65 anos, que também optou pela cidadania norte-americana, conseguiu descrever as propriedades de um novo tipo de superfluido, numa das formas de hélio.O mundo dos supercondutores é frio. Certos metais e cerâmicas, submetidos a temperaturas muito baixas - inicialmente, a poucos graus acima do zero absoluto, ou seja, dos 273,15 graus Celsius negativos - conduzem a electricidade sem que haja resistências à passagem da corrente. Ou seja, tornam-se supercondutores, sendo ideais para a condução de electricidade.Num condutor vulgar, a corrente diminui rapidamente devido à resistência. O problema é que os supercondutores tinham de ser mantidos frios com hélio líquido, o que os tornava caros. Mas têm sido feitas experiências para desenvolver supercondutores que funcionem com temperaturas mais elevadas - e, de facto, houve evoluções. A história dos supercondutores começa em 1911, quando o físico holandês Heike Kammerlingh Onnes, que conseguiu produzir hélio líquido a temperaturas baixas, fez uma importante descoberta. Ao estudar a condutividade eléctrica do mercúrio, percebeu que, quando este metal era arrefecido com hélio líquido (até 269 graus Celsius negativos), a sua resistência eléctrica desaparecia.Apelidou este fenómeno de supercondutividade, conta-se no comunicado da Real Academia das Ciências Sueca, e em 1913 seria distinguido com o Nobel da Física. "Embora não se encontrasse nenhuma explicação para este fenómeno, era evidente que poderia ter grande significado na sociedade moderna, que estava a ficar cada vez mais dependente da electricidade." Passaram quase 50 anos até três físicos - John Bardeen, Leon Cooper e Robert Schrieffer - conseguirem apresentar uma teoria que explicasse o fenómeno. Também valeu mais um Nobel da Física aos seus autores, em 1972. Mas só explicava o fenómeno nalguns materiais - nos supercondutores de tipo 1, metais nos quais as propriedades supercondutoras desaparecem quando o campo magnético envolvente é muito forte. Não explicava o fenómeno nos supercondutores de tipo 2 - ligas, vários metais e compostos com materiais não metálicos e com cobre, que retêm a supercondutividade mesmo em campos magnéticos fortes.Alexei Abrikosov, que trabalhava no Instituto de Problemas Físicos Kapitsa, em Moscovo, desenvolveu uma nova teoria, do fim da década de 50, capaz de descrever o fenómeno observado nos supercondutores de tipo 2. Fê-lo a partir de ideias formuladas por, entre outros, Vitali Ginzburg, do Instituto de Física P.N. Lebedev, em Moscovo, no início dos anos 50. A descrição de Abrikosov, que agora pertence ao Laboratório Nacional de Argonne, nos EUA, ainda hoje é usada no desenvolvimento de novos materiais supercondutores. "Os seus artigos, do final dos anos 50, têm sido citados cada vez mais nos últimos dez anos", sublinha o comunicado.Depois de descoberta, a supercondutividade permaneceu uma curiosidade científica durante muito tempo, uma vez que, como só se verificava à temperatura do hélio líquido, apenas este era usado para arrefecer os materiais - o que tornava as aplicações práticas impossíveis, por serem complicadas e caras. Nas últimas décadas, porém, houve uma intensa corrida para desenvolver materiais capazes de apresentar essa propriedade a temperaturas mais elevadas.O primeiro desses supercondutores foi produzido em 1986, por Johannes Georg Bednorz e Karl Alexander Müller, do Laboratório de Investigação da IBM, em Zurique, Suíça. Logo no ano seguinte, ganharam um Nobel da Física - outro nesta área - pela importante descoberta da supercondutividade em materiais cerâmicos. Ao abandonarem os materiais tradicionais, ligas com composições diferentes, chegaram a um material cerâmico de óxido de cobre, contendo bário e lantânio, que era um supercondutor a 238 graus Celsius negativos. Desencadeou-se então um frenesim nos laboratórios de todo o mundo e, nos primeiros meses de 1987, atingiram-se temperaturas 90 graus acima do zero absoluto (183 graus negativos) nos EUA, Europa, Japão e China. Transformar a cerâmica quebradiça em componentes manuseáveis, no entanto, continuou a ser difícil. De facto, para obter materiais aplicáveis, foi preciso ultrapassar o limite da temperatura do azoto líquido, a 196 graus negativos, que é um elemento mais barato e manuseável que o hélio líquido. Mas ainda não se fez um supercondutor à temperatura ambiente.O hélio líquido também está envolvido noutro fenómeno observado perto do zero absoluto, em que não há movimento nos átomos e por isso nada pode ser mais frio - a superfluidez. O hélio, um gás raro, pode ficar líquido a temperaturas baixas. Aí, a sua viscosidade desaparece e torna-se um superfluido. A superfluidez foi descoberta nos anos 30, por Pyotr Kapitsa, numa das formas de hélio, o hélio-4. Mas só nos anos 70 foi observada no hélio-3, por David Lee, Douglas Osheroff e Robert Richardson (ganharam, por isso, o Nobel da Física em 1996). Ontem, foi a vez de Anthony Leggett, hoje da Universidade de Illinois, nos EUA, ter sido galardoado por explicado, nos anos 70, as propriedades desse novo superfluido, quando estava na Universidade de Sussex, em Inglaterra.A 10 de Dezembro, os vencedores de 2003 vão receber 1,11 milhões de euros, na cerimónia de entrega dos Nobel, em Estocolmo, na Suécia.