A Guerra do Yom Kippur marcou o fim do mito da invencibilidade israelita
Às 4h30 da madrugada de 6 de Outubro de 1973, o secretário militar da primeira-ministra israelita, Golda Meir, foi acordado pelos serviços de informação que lhe comunicam que os árabes, Egipto e Síria, atacariam às seis da tarde. Para os judeus, era um dia santo, o Yom Kippur (Dia da Expiação), data em que todo o país está parado. Também os muçulmanos estavam em pleno Ramadão. Às oito horas, Golda reúne-se com o ministro da Defesa, Moshe Dayan, e outros dirigentes. Decreta a mobilização de todos os reservistas e recusa um ataque aéreo prévio aos aeroportos árabes, temendo as repercussões internacionais. O ataque árabe é afinal antecipado e, às duas da tarde, os tanques egípcios atravessam o Canal do Suez, ultrapassam a "inexpugnável" linha Bar-Lev e penetram no Sinai. Os Mig egípcios bombardeiam as posições israelitas. Ao mesmo tempo, os sírios invadem os Montes Golã e ameaçam a Galileia. Os árabes iludiram os serviços de informação israelitas. Puderam concentrar 300 mil homens e milhares de tanques na fronteira. Os vários serviços de informação israelitas deram o alarme, mas interpretaram mal os dados, entendendo que se tratava de manobras e provocação. Calculavam que o Egipto e a Síria precisavam de pelo menos mais dois anos para ter uma força aérea apta a cobrir uma ofensiva terrestre. E que seriam fulminantemente esmagados em caso de ataque. Reinava o optimismo herdado da guerra de 1967. Na Guerra dos Seis Dias, os israelitas tinham-se antecipado aos árabes, destruindo no solo a sua aviação, desbaratado os seus exércitos e conquistado vários territórios: tomaram a Faixa de Gaza e a Península do Sinai ao Egipto, conquistaram os Montes Golã à Síria e ocuparam a Cisjordânia, com Jerusalém Oriental, que era então território jordano. 3Pouco antes da Guerra do Yom Kippur, o general Ariel Sharon, a quem aguardava um inesperado destino, podia ter bravatas deste género: "Israel é uma superpotência (...). Numa semana podemos conquistar toda a região que vai de Cartum a Bagdad ou à Argélia." Mas analistas sérios, como o jovem Richard Holbrook, então director da "Foreign Policy", pensavam o mesmo: "Nunca antes, na sua tumultuosa história, Israel esteve numa tão grande segurança nem foi tão superior do ponto de vista militar. Seis anos depois da Guerra dos Seis Dias, uma guerra aberta entre Israel e os seus vizinhos parece menos provável que em qualquer momento do passado."No entanto, a guerra improvável aconteceu, por desígnio de Anwar al-Sadat, o sucessor de Nasser. Após a humilhação de 1967, os árabes querem a impossível "revanche". Mais realista, Sadat propõe secretamente a Israel trocar o Sinai pelo reconhecimento do Estado hebraico, o que seria uma viragem histórica. Mas não obtém resposta. Convence-se que só pela guerra poderá recuperar o Sinai. Remodela o exército. Afasta os conselheiros militares soviéticos, embora sem romper com Moscovo, seu fornecedor de armas. Promove uma aproximação à Arábia Saudita e refaz a aliança com a Síria. A aposta resultou. Durante três dias, o exército egípcio desbarata os israelitas, o que acontece pela primeira vez desde 1948. Em Israel, passa-se da confiança ao pânico. Os israelitas acabam por ganhar a guerra, graças à superioridade aérea, à capacidade estratégica e ao eficaz apoio americano. O rápido afundamento do exército sírio permite concentrar as forças no Sinai e contra-atacar no Egipto, a oeste do Suez, ameaçando o Cairo, numa audaciosa manobra comandada por Ariel Sharon. Se a vitória militar é israelita, a vitória política é árabe. Poucas vezes uma derrota foi tão celebrada. Porquê? Porque o mito da invencibilidade militar dos israelitas sofria o seu mais duro golpe de sempre. De resto, o secretário de Estado americano, Henry Kissinger, fez um trabalho notável: garantiu a vitória de Israel sem humilhar os árabes, evitando que fosse destruído o 3º exército egípcio isolado no Sinai. Esta guerra mereceu inúmeras análises militares, já que teve a maior batalha de tanques desde 1945. Mas os seus principais efeitos são políticos. Em primeiro lugar é um momento de tomada de consciência da força árabe, provocando o que os estrategos ocidentais não tinham previsto: o uso político da arma do petróleo. A OPEP sobe os preços, reduz a produção, decreta um boicote contra os Estados Unidos e abre uma crise energética no Ocidente.Em segundo lugar é uma vitória americana. Com a sua diplomacia de "vaivém", viajando de capital em capital, Kissinger alcança um duplo objectivo: garante a segurança de Israel e levará depois o Cairo a romper com a União Soviética. A guerra de 1973 marca o apogeu da aliança estratégica entre Washington e Telavive, concluindo o processo de marginalização da Europa. O fim lógico do Yom Kippur é a visita a Jerusalém de Anwar al-Sadat a Jerusalém e os acordos de paz de Camp David, de 1979. O Egipto reconhece Israel e recupera com honra a Península do Sinai. Em Israel, o Yom Kippur foi um electrochoque. Teve um alto preço: 2800 mortos e mais de três mil feridos. Vai marcar o fim da geração dos fundadores. Golda Meir demite-se em 1974. A sociedade questiona os seus dirigentes, ou seja, os trabalhistas. A direita nacionalista vai chegar ao poder, com Menahem Begin, em 1977. A preocupação com a segurança reforça os adeptos do Grande Israel e a extrema-direita religiosa inicia a colonização da Cisjordânia, o que prenuncia o novo conflito com os palestinianos, que explode na Intifada de 1987.