Liceu Francês atribui bonificações às notas dos alunos

Este ano, muitos alunos que terminaram o secundário no Liceu Francês Charles Lepierre, em Lisboa, não tiveram notas para ser admitidos no ensino superior. Segundo os encarregados de educação, as habilitações atribuídas pela própria escola não foram, pela primeira vez, reconhecidas pelo Governo português. O mais grave, adiantam, é que a tutela só deu a conhecer este facto no fim do ano lectivo. A Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNAES) nega que a informação não tenha sido dada atempadamente à escola e salienta que está a cumprir a legislação."Praticamente nenhum jovem entrou na universidade porque foi violado um acordo que existia quanto ao critério de avaliação. Durante anos a fio, as notas da escola eram beneficiadas com uma bonificação de dois a três valores, mas este ano, isso não aconteceu e os miúdos não entraram", queixa-se um encarregado de educação, que tem dois filhos no Liceu Francês, adiantando que 70 por cento dos estudantes que este ano estão inscritos no 12º ano tencionam sair da escola. A CNAES estima que cerca de duas dezenas de estudantes não foram colocados, em meia centena.A escola contestou as novas medidas porque estas põem em causa os "procedimentos que, desde há muito, vinham a ser adoptados, internamente e com o acordo tácito, embora não explícito, do Ministério da Educação, para a emissão de certificados de conclusão dos cursos do ensino secundário estrangeiro ali leccionados e para o cálculo das classificações das disciplinas a considerar como provas de ingresso no ensino superior português", conta Meira Soares, presidente da CNAES, numa carta enviada ao ministro da Ciência e do Ensino Superior. Ao PÚBLICO, Meira Soares explica que o que aconteceu até agora é que a tutela aceitava as classificações fornecidas pelo Charles Lepierre - que tem "regras internas" para calcular as notas dos alunos -, em vez das certificadas pela Academia de Toulouse, uma espécie de direcção regional de educação do Ministério da Educação francês, que superintende a escola em Portugal. Só que, a partir deste ano, depois de aprovado o decreto-lei 26/2003, a CNAES tem poderes para validar, ou não, as notas que são apresentadas pelas escolas internacionais. E o que a comissão pediu a todas as instituições é que mostrem os documentos emitidos pelas entidades competentes do país de origem, de maneira a que os seus alunos possam concorrer de igual para igual com os do sistema português. Afinal, as classificações das provas de ingresso dos estudantes portugueses também são validadas pelo Júri Nacional de Exames.Como o Liceu Francês tem critérios internos para as classificações, as notas acabam por divergir das emitidas por Toulouse em vários pontos. Segundo documentos a que o PÚBLICO teve acesso, um aluno com oito valores a Matemática, certificado por Toulouse, vê essa nota subir para 12 valores, segundo as tais regras internas de classificação da escola.Esse certificado, com as notas do final do secundário, é assinado pelo director e autenticado com o selo do serviço cultural da Embaixada de França. Nesse mesmo documento, pode ler-se que as classificações só são válidas para o sistema de ensino português. Portanto, não são essas notas que permitem aos alunos ingressarem numa universidade estrangeira, porque para essas vale o certificado emitido por Toulouse, onde estão as notas do BAC, o "baccalauréat", os exames nacionais franceses."Fica claro, da comparação [entre as notas dadas pelo Charles Lepierre e as emitidas por Toulouse], que as regras internas por eles usadas não têm nada que ver com os valores reais dos exames do BAC", declara Meira Soares."Um 14 em França é uma nota muitíssimo boa, por isso, para se adequar ao sistema português tem de levar essa bonificação. O que o ministério pode fazer é ver qual é a diferença da média do BAC com a dos exames nacionais e já sabe que nota deve atribuir. É o mais justo", avança o pai contactado pelo PÚBLICO. Contrariando as exigências da CNAES, no início de Agosto, o ministro Pedro Lynce resolveu intervir e criou uma excepção, a título transitório, para a escola francesa: este ano, os alunos puderam concorrer ao ensino superior apresentando as notas finais do secundário dadas pelo Liceu Francês (sem a autenticação das autoridades do país). Só no que respeita às provas específicas é que o ministro se mostrou intransigente e exigiu os resultados do BAC, reconhecidos pela Academia de Toulouse. Para o ano, tanto as notas finais do secundário como as dos exames terão de ter esse selo de garantia das entidades oficiais francesas. Pedro Pedreira, nomeado pela comissão de pais para este assunto, lamenta que "as regras tenham sido definidas depois de o jogo ter começado", ou seja, os alunos só se aperceberam que as classificações não foram suficientes para entrar quando saíram os resultados do acesso, a semana passada. Os pais já apresentaram uma reclamação junto da Direcção-Geral do Ensino Superior e aguardam resposta. "Não pode haver outra alternativa que não seja o seu ingresso", confia Pedro Pedreira.A situação que se manteve nos últimos anos terá prejudicado não só os alunos do sistema português como os que estudam em França, porque esses não eram beneficiados como os do Charles Lepierre com as chamadas "regras internas", acrescenta Meira Soares. Durante o ano, a CNAES reuniu com todos os colégios internacionais, para esclarecer as dúvidas quanto à nova legislação. No caso do Liceu Francês, o director fez-se sempre acompanhar por representantes diplomáticos. O PÚBLICO tentou contactar o director da escola, bem como o adido para a cooperação educativa da embaixada francesa e nenhum se mostrou disponível.

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