O bê-á-bá do design outra vez em Lisboa
"Os 'users' também são designers", diz Martí Guixé, designer espanhol convidado da Experimenta Design - Bienal de Lisboa 2003, que abriu na passada quarta-feira. "Para além do consumo" é o tema deste ano. O consumidor não é um pormenor: pensar como o design pode satisfazer os seus desejos e necessidades é o objectivo da Bienal, que mobilizará mais de 300 criadores durante 45 dias.O design já tomou conta da cidade: o Cinema São Jorge, o Palácio Foz, o CCB e a Cordoaria são alguns dos 22 espaços que a Experimenta ocupa até 2 de Novembro, na sua terceira e mais ambiciosa edição de sempre."A Experimenta quer ser uma experiência na vida da cidade", diz Guta Moura Guedes, comissária da Bienal. Da formação às exposições, há propostas para todos os públicos, a maioria de entrada livre, porque a Bienal quer chegar a um maior número de pessoas. E a comissária deixa um conselho: "Consumam a Experimenta sem nenhuma moderação e tenham muitos e bons efeitos secundários."Bê-Formação para todos os públicos: conferências, "workshops", cinemaA formação é uma aposta da Experimenta porque "lança sementes para futuros criadores", diz Guta Moura Guedes. O curso intensivo sobre arquitectura, design industrial e de comunicação, "EXD Master Classes", terminou ontem no Palácio Foz. Foram três dias com nomes sonantes como Beatriz Colomina, Ron Arad ou Max Bruinsma.Mas as "conversas" continuam: os "1000 Plateaux" começaram ontem, no Cinema São Jorge, com a discussão sobre o futuro do design entre Thom Faulders, Filipe Alarcão, Hermann Weizzeneger e Ora Ïto. São "workshops", conferências e projecções em que vários criadores e pensadores discutem os "usos do design".E o ciclo de cinema Designmatography começa a 23 de Outubro, no São Jorge, com filmes experimentais raramente vistos. No próximo sábado, uma "performance" de Lee Ranaldo, guitarrista dos Sonic Youth, abrirá o ciclo - a solo, Ranaldo improvisará sobre uma selecção pessoal de filmes "underground" americanos.O hipnótico "Andy Warhol's Exploding Plastic Inevitable" (1967), de Ronald Nameth (sábado, 25 Outubro, 22h) é um dos destaques da programação - sobre a experiência multimédia ao vivo que juntou os Velvet Underground à projecção de filmes de Andy Warhol. E Nameth vem a Lisboa. Na mesma sessão passará "Visa de Censure nº X", a primeira obra de Pierre Clementi, que trabalhou com Philippe Garrel, Luis Buñuel e João César Monteiro: "Uma obra-prima do cinema 'underground'", escreve o comissário para o cinema, Ricardo Matos Cabo, no "dossier" de imprensa. A ver também alguns filmes do norte-americano Stan Brakhage, recentemente falecido, que fez mais de 367 filmes e curtas-metragens. É considerado por muitos um pioneiro do cinema de vanguarda, que influenciou a geração de poesia pós-Beat e a pintura abstracta.-Á-As "estrelas" da Bienal: clássicos e contemporâneos, brasileiros e francesesCoincidência ou não, as "estrelas" da Experimenta têm em comum o facto de re-utilizarem materiais e desperdícios para construir coisas novas. "Quando se faz alguma coisa há sempre restos. As novas tecnologias permitem reutilizá-los e nunca se perde nada", disse Martí Guixé, quinta-feira, na conferência de apresentação da exposição "Bright Minds, Beautiful Ideas", no CCB.A exposição junta as "ideias" de dois designers contemporâneos - Guixé e o holandês Jurgen Bey - "inspiradas" na criação de dois históricos do design: o italiano Bruno Munari (o homem que "era capaz de ver e fazer os outros ver e compreender as coisas de forma diferente") e o casal norte-americano Ray e Charles Eames ("mesmo aqueles que nunca ouviram os seus nomes, conhecem o seu trabalho ou já se sentaram numa das suas famosas cadeiras")."Munari e os Eames colocavam questões. Hoje os designers estão à espera de protótipos para imitar", disse o comissário da exposição, Ed Annink. O que têm em comum Guixé, Bey, os Eames e Munari? "Uma consciência ética e social que questiona os próprios limites do design", escreve Annink no catálogo da exposição. "'Bright Minds' é uma viagem pelos cérebros de Bey e Guixé e veremos imagens que correspondem aos seus pensamentos". "Porque é possível fazer coisas belas sem as vender, transformando as ideias em valores."Coisas raras ou quotidianas é a diferença entre a exposição "Campanas" (que abre hoje na Valentim de Carvalho, no Rossio) e a "Design France" (desde ontem, na Cordoaria Nacional). Design de autor vs. design utilitário?Os irmãos brasileiros Humberto e Fernando Campana, designers, são as figuras da Experimenta - a partir de 1989, quando expuseram no Museu de Arte Moderna de São Paulo, nunca mais deixaram de surpreender o mundo do design de mobiliário. Hoje as suas peças integram os acervos do MOMA, em Nova Iorque (que lhes dedicou uma exposição em 1998), e do Vitra Design Museum, em Berlim. Trazem a criatividade aliada às artes plásticas e preocupações ambientais: criam objectos com matérias-primas estranhas, como ralos de cozinha, plásticos, cordas e ripas. O reaproveitamento de materiais é a proposta para uma reflexão sobre o consumo."Design France" é a exposição da enorme comitiva francesa na Bienal. Guta Moura Guedes diz que o convite aos mais de 40 designers franceses nada tem a ver com os patrocinadores (como a Renault): "É uma feliz coincidência. Não temos um país convidado. Esta participação é fruto de um trabalho desde 1999. Em 2001 tivemos mais ingleses." O designer Patrick Le Quément, vice-presidente da Renault, diz que esta exposição se enquadra também "na importância de a empresa manter contacto com o que se faz nos outros países" ao nível do design. A exposição tem 50 produtos que representam o mais recente design utilitário em todos os sectores da indústria francesa: moda, automóvel ou electrodomésticos.Ainda falta o "Expanded", cinco instalações que abriram ontem, também na Cordoaria. Cinema, música, dança são alguns dos territórios explorados - o britânico Janek Schaeffer, "sound designer" especialista em música electrónica e digital, traz o "Tri-phonic turntable", considerado pelo Guinness o gira-discos mais versátil do mundo; a coreógrafa americana Simone Forti apresenta "Angel", uma instalação em que o movimento coreográfico é fixado num cilindro em holograma, activado pelo movimento do visitante.-BáO design está na rua: que futuro?O "descanso" para toda esta agitação é o "Lounging Space" do Cinema São Jorge, espécie de quartel-general da Bienal - "sítio para estar, trocar ideias e consumir cultura contemporânea em registo 'fast-forward'.""Consumir" cultura é o que se vê por Lisboa, que já está ocupada por iniciativas que interpelam até o mais distraído. O design já está na rua: 7 artistas portugueses e estrangeiros (Fernanda Fragateiro, Xana ou Ora-Ïto), decoraram algumas montras da cidade, unindo o consumo ao design - o "Showindows".O Voyager é a imagem da Experimenta e "marca a face da cidade", diz Guta Moura Guedes. "Tem um efeito muito forte: toca até aqueles que não estão preparados e se sentem atraídos pelo objecto."E o futuro? A comissária já tem ideias para a Experimenta 2005: o Voyager deverá transformar-se num "work in progress" e incorporar objectos das cidades por onde passar; a Experimenta quer também incentivar as relações entre Lisboa e o exterior - Milão, Madrid ou Paris poderão ser cidades-satélite. A comissária diz ainda que "gostaria de aprofundar as relações com o Brasil". Talvez a próxima Experimenta fale mais português, mesmo com estrangeiros.Experimenta Design 2003LISBOA Vários locais. Tel.: 218 510 286. Informações: Lounging Space, Cinema São Jorge, Av. Liberdade. Entrada Livre (excepto exposição "Bright Minds, Beautiful Ideas", no CCB - 2,50 euros). Até 2 de Novembro.