Um século de arquitectura em 200 desenhos do MoMA de Nova Iorque

Encarando o desenho de arquitectura como uma disciplina artística autónoma, a exposição "Visões e Utopias: Desenhos de Arquitectura do Museu de Arte Moderna, Nova Iorque", que esta noite se inaugura no Museu de Serralves, no Porto, oferece uma deslumbrante visão de conjunto do génio conceptual e talento plástico de alguns dos mais significativos arquitectos do século XX. Comissariada por Matilda McQuaid e Bevin Cline, a exposição, que estará patente em Serralves até final do ano, mostra 196 desenhos de várias dezenas de arquitectos, numa montagem que ignora a cronologia e se organiza em torno de núcleos temáticos, partindo de propostas para cidades, quer reais, quer visionárias, prosseguindo com exemplos de arquitectura pública - centros cívicos e culturais, escolas, hospitais, monumentos - e terminando com projectos para casas de habitação. Cobrindo um período que vai do final do século passado - a peça mais antiga é um projecto do austríaco Otto Wagner, desenhado em 1896, para a ponte Ferdinand, sobre o Canal do Danúbio - até ao presente, com trabalhos de arquitectos como Rem Koolhaas, Frank Gehry, Zaha Hadid ou o casal Elizabeth Diller/Ricardo Scofidio, a exposição dá a ver uma escolha significativa da colecção do Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova Iorque, o primeiro a criar, em 1932, um núcleo exclusivamente dedicado à arquitectura. Alguns dos desenhos expostos resultaram em obras de arquitectura a três dimensões, ainda que estas por vezes se tenham afastado consideravelmente da ideia preliminar lançada no papel, outros ficaram por construir, outros ainda, como as estruturas complexas de Daniel Libeskind em "Micromegas Project" (um título tomado de empréstimo a Voltaire), não foram sequer concebidos para ser construíveis. E há mesmo projectos que só puderam vir a ser concretizados bastantes anos após a execução dos desenhos, porque foi necessário aguardar que se desenvolvesse a tecnologia adequada.A influência da pinturaEntre os arquitectos mais representados contam-se nomes como o americano Frank Lloyd Wright (1867-1959), com os seus modelos de casas a baixo custo para produção em massa - o desenho, a cores, de "La Miniatura", a primeira das chamadas Textile Block Houses, que projectou nos anos 20, é uma das mais belas peças da exposição -; Le Corbusier (1887-1965), com o Pavilhão Suíço que concebeu para a Cidade Universitária de Paris ou um desenho de enormes dimensões mostrando os visionários jardins horizontais e verticais que pensou para a Argel dos anos 30; o americano de origem estoniana Louis I. Kahn (1901-1974), com o projecto de um centro cívico em Filadélfia ou o seu estudo para o tráfego no centro da mesma cidade; e, claro, Mies van der Rohe (1886-1969), cujo arquivo, num total de mais de 18 mil documentos, o MoMA conserva. Dos muitos trabalhos deste arquitecto alemão expostos em Serralves, o mais fascinante, enquanto objecto plástico, é talvez o seu célebre desenho de 1921 de um arranha-céus envidraçado a construir em Berlim, um projecto baseado na ideia, então revolucionária, de dotar o edifício de um esqueleto de aço que permitisse libertar as paredes exteriores da sua função de sustentação. Não menos deslumbrantes são os desenhos, que evocam Arp e Miró, do arquitecto paisagista brasileiro Roberto Burle Marx (1909-1994) para o Parque de Ibirapuera, em S. Paulo, ou para os jardins da residência do casal Burton Tremaine, em Santa Bárbara, na Califórnia, projecto em que colaborou com o seu conterrâneo Oscar Niemeyer. A influência das obras de grandes pintores é visível em muitos destes desenhos: a presença de De Chirico é óbvia em arquitectos italianos como Ernestro Bruno La Padula ou Aldo Rossi, os trabalhos de Theo van Doesburg evocam irresistivelmente Mondrian, e a torre publicitária do sueco Erik Gunnar Asplund faz pensar em Paul Klee. No capítulo das visões utópicas de cidades destacam-se os trabalhos quase poéticos que o grupo de arquitectos italianos Superstudio propôs no final dos anos 60 e na década seguinte, ou os projectos iniciais dos arquitectos que, em 1975, iriam formar o Office for Metropolitan Architecture, dirigido por Rem Koolhaas, o autor da Casa da Música do Porto. Bastante anteriores, mas não menos visionários, são os projectos aqui expostos de Buckminster Fuller (1895-1983), como a casa hexagonal Dymaxion, concebida para custar tanto como um carro. Espécie de cruzamento entre Charles Fourier e Einstein, Fuller, uma das mais estranhas e fascinantes personalidades do século XX, acreditava que o bom uso das sinergias podia, na arquitectura como noutros domínios, melhorar decisivamente a vida no planeta.

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