Dores lombares crónicas podem ser tratadas com cirurgia pouco invasiva
Um novo tratamento para dores lombares crónicas, disponível no país há cerca de um ano, permite reduzir os sintomas sem recorrer à extracção do disco vertebral. A operação consiste em introduzir um cateter térmico na zona afectada, de modo a electrocoagular as terminações nervosas locais. Chamado IDET - uma forma mais simples de dizer electro-termoterapia intradiscal -, o método tem sido aplicado com relativo sucesso no Hospital de São João (HSJ), no Porto, e no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Uma comunicação sobre o tema será apresentada no Congresso Europeu de Neurocirurgia, cujos trabalhos começam hoje em Lisboa (ver caixa).O HSJ arrancou com esta novidade em Julho de 2002. Um ano depois, o serviço já havia utilizado o método em 11 pacientes, com idades entre os 19 e os 45 anos. Desse total, seis sentem uma grande redução dos sintomas e três pensam ter melhorado moderadamente. Em contrapartida, os outros dois consideram que as dores aumentaram após a operação. Os números disponibilizados pelo HSJ tiveram por base questionários, preenchido pelos próprios utentes, que avaliavam a intensidade dos incómodos no período pós-operatório. A grande vantagem da IDET, garantem os especialistas, é tratar a parte lesionada sem a remover do corpo. Rui Vaz, director do serviço de neurocirurgia do HSJ, explica que está aqui implícita uma filosofia comparável aos procedimentos da odontologia. "Quando vamos ao dentista, já não arrancamos os dentes podres. Tratamo-los. A medicina tem seguido caminhos cada vez menos agressivos", afirma o médico. Apesar de reconhecer que a IDET "não é a cura" para as lombalgias, Rui Vaz acredita que o método pode melhorar a qualidade de vida de boa parte dos pacientes. Refira-se que as dores lombares crónicas estão, muitas vezes, associadas ao absentismo e à queda da produtividade nas empresas. Quem sofre de uma hérnia discal, no entanto, não poderá beneficiar da IDET. Quando se rompe o anel fibroso que dá forma ao disco - o ânulo -, há um extravasamento da substância que estava ali contida, um gel ligeiramente fluido, chamado núcleo pulposo. Nestes casos, a solução pode ser o tratamento convencional ou a cirurgia. Noutras situações de dor lombar, nas quais não se verifica a ruptura do ânulo, a nova técnica pode revelar-se eficaz.A IDET exige um exame prévio para identificar, com precisão, a zona problemática. Durante a discografia, o cirurgião introduz em discos diferentes uma substância que provoca contraste. Dessa forma, o paciente pode distinguir a origem exacta da dor. Além disso, uma imagem médica mostra qual dos discos apresenta características anómalas. Recorde-se que a coluna vertebral é constituída por 33 vértebras e 32 discos intervertebrais, que funcionam como uma articulação. Por outras palavras, são estas peças que mantêm as vértebras separadas e permitem a sua mobilidade.A realização da IDET pode ser agendada para alguns dias após a discografia. O método, por regra, só é indicado para aqueles que já tentaram combater as lombalgias com descanso, fármacos e exercícios específicos. Só esgotadas estas possibilidades é que surge a hipótese da IDET. Aplica-se então a anestesia local, abrindo caminho para a inserção de uma agulha especial no disco doente. Através desse canal, o cateter térmico acede à zona afectada e aquece-a até 90 graus Celsius, ao longo de 17 minutos. O objectivo é que o calor provoque a electrocoagulação das terminações nervosas, tornando-as menos sensíveis à dor. Após poucas horas em observação no ambulatório, o paciente pode seguir para casa. O HSJ possui um manual de recomendações para o utente em fase pós-operatório. O documento ajuda o paciente, de acordo com Rui Vaz, a não criar expectativas vãs nos primeiros dias após a IDET. Isso porque o alívio da dor não é imediato, podendo ocorrer um agravamento do sintoma nas 48 horas seguintes à intervenção. Assim, um conjunto de medidas - como o descanso e a mudança regular da posição do corpo - devem ser observadas nesse período. O regresso ao trabalho pode acontecer até uma semana após o tratamento, consoante o tipo de actividade laboral de cada utente. A IDET foi desenvolvida, em 1997, por investigadores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Desde então, tem sido adoptada em diversas unidades hospitalares, embora haja especialistas que lhe reservem críticas. Apesar dos efeitos animadores em boa parte dos casos, ainda não se conhecem resultados a longo prazo. Além disso, Rui Vaz frisa que a técnica está longe de ser uma solução universal para as dores lombares - até porque nem todos os casos podem ser tratados com a IDET -, mas está confiante de que a "medicina está no caminho certo". Num cenário futuro, o ideal seria a elaboração de uma fórmula capaz de regenerar as estruturas danificadas.