Arafat é o protagonista ausente do documentário de Oliver Stone

A imagem promocional de "Persona Non Grata" já circula: Oliver Stone ao lado de Yasser Arafat e, junto a eles, os escritores José Saramago e Wole Soyinka. O momento está registado no novo documentário do realizador americano, anunciado como um retrato do líder da Autoridade Palestiniana, que foi um dos acontecimentos iniciais do 60º Festival de Cinema de Veneza, onde "Persona Non Grata" integra a secção Novos Territórios. Em Março de 2002, um mês depois de ter terminado a rodagem do seu controverso filme-entrevista com Fidel Castro na intimidade, "Il Comandante" (exibido no último Festival de Berlim), Stone partiu para a Cisjordânia com o intuito de repetir o processo com outro líder carismático, Yasser Arafat. Afinal, a maior parte das imagens de Arafat que surgem no documentário correspondem a material de arquivo, e a "photo oportunity" em que este surge ladeado por Stone e pela delegação do Parlamento Internacional de Escritores marca o único - e breve - encontro entre o realizador e o seu pretenso entrevistado. A quem Stone menciona o documentário com Fidel, insinuando a sua intenção de o incluir a ele, Arafat, no seu projecto de filmar "rebeldes anti-americanos".Arafat, "persona non grata" do título, é o grande ausente do documentário. Assiste-se, antes, a uma contagem decrescente para a entrevista que nunca chegará a ser feita. "Se ele disser o que costuma dizer à imprensa, não me parece que possamos ir muito longe", adianta Stone à sua equipa, a meio do filme. Mesmo assim, o realizador montou a sua história. O elenco é apresentado no início, como num filme de ficção: ex-primeiros ministros israelitas como Shimon Peres, Benjamin Netanyahu e Ehud Barak, o porta-voz da ala política do Hamas, Hasan Yosef, elementos da Brigada de Mártires Al-Aqsa, Yasser Arafat (apesar de tudo) e Stone. Este, aliás, é o primeiro interveniente - interrogado pela sua equipa sobre "como pensa que a situação irá evoluir", declara: "É como o vento. Ninguém sabe o que esperar." Ficará a ressoar como programa do filme, que vai ziguezagueando entre os argumentos de um e outro lado do conflito israelo-palestiniano. "Cocktail" tempestuosoStone e a sua equipa permaneceram cinco dias em Jerusalém e Ramallah, na véspera dos confrontos mais violentos despoletados pelo atentado do Hamas em Netanya, a 27 de Março, a que Israel respondeu com a operação militar "Escudo Defensivo", invadindo os territórios da Cisjordânia e apertando o cerco ao quartel-general de Arafat. Cineasta "engagé" conhecido por "J.F.K." e "Nixon", ficções anti-"establishment" sobre o assassínio de Kennedy e sobre o presidente americano caído em desgraça com o escândalo de Watergate, Stone clama ser um conhecedor do Médio Oriente - nos anos 70, viveu um período no Líbano, depois de ter casado com uma libanesa - e, talvez por isso, dispensa qualquer contextualização do que vai mostrando em "Persona Non Grata". O que se vê é uma montagem frenética - apetece dizer: explosiva - onde parecem acontecer demasiadas coisas no ecrã ao mesmo tempo.Stone não veio a Veneza "explicar" o seu filme porque está de partida para Marrocos, onde irá iniciar a rodagem do seu épico sobre Alexandre, o Grande, com Colin Farrell e Angelina Jolie. Se é um suposto conhecedor do conflito, é no mínimo irresponsável a forma como conduz algumas entrevistas, nomeadamente quando pergunta a um elemento de rosto encoberto das Al-Aqsa se as brigadas visam os responsáveis políticos israelitas como alvos. E quando o porta-voz da ala política do Hamas o questiona sobre "o que faria se alguém entrasse na sua casa e matasse o seu filho", Stone responde: "O mesmo que você.""Procurei ser o mais equilibrado possível e falar com todos. Mas [o filme] não é objectivo. Nenhum dos meus filmes o é", admitiu recentemente numa entrevista. Stone tem vindo a reiterar, em declarações à imprensa, que entende a perspectiva dos bombistas palestinianos e que Israel se deve retirar dos territórios ocupados. "Persona Non Grata" já suscitou reacções nos EUA e em Israel, que o acusaram de ser pró-palestiniano. "Pessoas que nunca se sentariam a ver um minuto de um documentário sobre Arafat irão ver ["Persona Non Grata"] só porque tem o nome de Oliver Stone", afirmou um diplomata israelita, Zvi Vapni. "É isso que nos preocupa. Vai ter um enorme impacto em várias pessoas." Não se pode dizer que Arafat emerge propriamente como um herói, embora o documentário o apresente como um homem acossado, a quem israelitas e palestinianos apontam o dedo acusador. Da mesma forma que o retrato que Stone fez de Fidel Castro foi incapaz, ou não quis, interrogar a realidade cubana, também não se pode dizer que "Persona Non Grata" sirva para iluminar grande coisa sobre o conflito israelo-palestiniano, porque é construído como uma escalada, um "cocktail" intempestivo onde "soundbytes" dos entrevistados e reportagens televisivas sobre os confrontos se vão sucedendo. Apesar da tendência incendiária, Stone produz alguns ecos interessantes entre os discursos de ambas as partes - nesse sentido, "Persona Non Grata" vale como espelho reflector do círculo vicioso do conflito. E se alguém parece distinguir-se como voz moral, esse alguém é Shimon Peres, que, demarcando-se do discurso belicista, anuncia no final do documentário que os jovens israelitas não devem olhar para o passado, mas "imaginar" a História e projectar-se no futuro.

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