Planetário ao ar livre no Porto para ver Marte
Na rua D. Manuel II, as luzes estão apagadas para um convidado muito especial que já não se aproximava da Terra há mais de 60 mil anos. Até ao próximo sábado, nos jardins do Palácio de Cristal, no Porto, está tudo a postos para receber a visita do planeta Marte, das 22h à meia-noite: telescópios apontados e lâmpadas em "off", dentro e fora do palácio, para não ofuscar o brilho do planeta vermelho. A iniciativa, integrada no programa Ciência Viva no Verão - da responsabilidade da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica -, realiza-se há vários anos. Desta vez, porém, o módulo Astronomia no Verão, que começou na noite de anteontem, apanhou a boleia de "um momento histórico": uma aproximação semelhante entre o terceiro e o quarto planetas a contar do sol só voltará a repetir-se em 2287.Embora o dia D seja só depois de amanhã - entre as 11h de quarta-feira e as 19h de quinta Marte estará a "apenas" 55,76 milhões de quilómetros da Terra, atingindo então máxima visibilidade -, algumas dezenas de pessoas resolveram antecipar-se e encavalitar-se nos telescópios para travar conhecimento com o planeta Vermelho na noite de anteontem. O céu estava nublado, mas não o suficiente para encobrir a intensa luz cor de ferrugem que emana de Marte. "Procurem um ponto luminoso alaranjado. Marte tem muita ferrugem à superfície, por isso é que dá aquela luz", explicava aos curiosos um dos monitores do centro de astrofísica da Universidade do Porto. "O que é que era suposto ver nestes binóculos aqui? Aquele planeta que está a aproximar-se muito?", perguntou logo alguém. "Sim, é o nosso convidado de honra", confirmava o monitor. Ao lado, os telescópios apontados para outras estrelas da Via Láctea não pareciam tão concorridos. É natural, explicava Filipe Pires, do núcleo de divulgação do centro de astrofísica: "Estamos a viver uma época histórica. Nos últimos 60 mil anos, a humanidade não pôde viver este momento espectacular. Ver Marte no seu ponto mais próximo, matematicamente falando, é uma coisa rara". Apesar de estar visível a olho nu - "é aquele ponto muito brilhante que parece uma estrela mas não é" -, ao telescópio desvendam-se melhor os segredos da cartografia do planeta vermelho. Uma bola muito nítida com calotes polares a sul e "umas manchas que, no início do século XIX, se pensava serem canais", e para as quais ainda não há, hoje, uma explicação definitiva. "Podem ser nuvens, podem ser zonas onde há mais ferrugem, podem ser de facto canais. Se Marte já teve água em estado líquido, como pensamos, não há razão nenhuma para não ter tido vida", adianta Filipe Pires.Se houver marcianos, portanto, eles estão mais próximos de nós do que nunca. Foi exactamente para confirmar se eles andam aí que António Soares foi anteontem aos jardins do Palácio. "Estou a ver se vejo algum marciano a levantar voo", dizia, enquanto esperava pela sua vez no telescópio, ao lado dos dois filhos. Tem um telescópio em casa, "mas é de brincar" e nem sabe se funciona. No final da espreitadela, mostrava-se "um bocadinho decepcionado": "Afinal, não vi nave nenhuma. Só alguma turbulência". A excitação é grande entre os astrónomos: esta semana será possível testemunhar uma rara aproximação da Terra a Marte. Tão rara que aconteceu pela última vez há cerca de 60 mil anos e só voltará a repetir-se em 2287.Quarta-feira, quando assumir a sua máxima espectacularidade, o planeta vermelho nascerá cerca das 21h40 (hora de Lisboa) para atingir a altura máxima cerca da 1h50 e pôr-se às 7h.Um pouco por todo o mundo, e já a partir de amanhã, haverá sessões idênticas às que estão programadas no Porto em Lisboa e em Tavira. Mas, mesmo à vista desarmada, Marte é já bastante visível desde Maio. As condições favoráveis permitidas por esta situação manter-se-ão até 10 de Setembro, declinando depois gradualmente até Janeiro. A aproximação dos dois planetas nada tem de anormal, já que, em consequência do seu posicionamento relativo, ao descreverem as suas órbitas em redor do Sol aproximam-se regularmente de dois em dois anos, tendo as maiores aproximações recentes ocorrido em 2001, 1988 e 1971. Com a sua estranha luz vermelho-alaranjada, Marte é actualmente o corpo celeste mais brilhante do céu nocturno, depois da Lua, já que o seu possível rival, Vénus, e também Júpiter, não são visíveis por se encontrarem do outro lado do Sol.Aproveitando também a rara aproximação entre os dois planetas vizinhos, dirigem-se actualmente para Marte quatro naves espaciais, entre as quais a sonda europeia Mars Express, lançada em 2 de Junho, e as norte-americanas Spirit e Opportunity.