Chamas comem cenários e recheio do Teatro Maria Vitória

Um incêndio que deflagrou ao final da manhã de ontem num armazém do Teatro Maria Vitória, no Parque Mayer, em Lisboa, provocou prejuízos avultados.O responsável pelo teatro, Hélder Costa, assegura que "ardeu todo o recheio" que estava no armazém, pois era nesse local que estava depositado o material para os espectáculos. "Tínhamos para ali o material de revistas anteriores, umas sete ou oito, algum da revista que saiu recentemente do cartaz e já algum material para próxima revista", conta, sem deixar de elogiar a rápida intervenção do Regimento de Sapadores de Bombeiros. "O armazém está todo destruído", informa. A água que escorreu do combate do fogo "atingiu o palco, o fosso da orquestra, a sala de estar do público, o salão grande e escadas". Para Hélder Costa, a preocupação mais imediata é garantir que o material que restou não seja roubado, uma vez que "o teatro está esventrado e qualquer pessoa pode entrar, pois aquela parte não tem telhado e foram arrombadas as portas". Nesse sentido, pediu à Câmara de Lisboa que lhe disponibilize alguns agentes da polícia municipal."Quanto ao teatro em si, no seu miolo não foi atingido", assegura este responsável. Mesmo dizendo que não se pode ainda fazer uma estimativa precisa dos prejuízos, o Hélder Costa lamenta a perda de "pinturas de artistas plásticos conceituados" - incluindo cenários com a assinatura de Mário Alberto ou António Casimiro. "Arderam cenários de pessoas realmente importantes", referiu.Actores e produtores do teatro desconhecem ainda a causa do incêndio, mas não deixam de referir que se tratou de algo muito inesperado. O produtor executivo João Ribas Vieira conta que estava a sair do teatro para almoçar quando foi "alertado por um carro de bombeiros que entrou para o Parque Mayer". "Os bombeiros não se tinham apercebido sequer de onde é que vinha o fogo", adianta. Só "quando se abriu a porta que dá acesso ao palco e a entrada do oxigénio provocou uma forte labareda" se percebeu que local estava a ser engolido pelas chamas, relata. João Ribas Vieira garante que durante toda a manhã não houve indícios do fogo - embora tenha notado "um fumo anormal em todo o Parque Mayer, de uma torrefacção de café que há por detrás do recinto e que tem uma chaminé próxima". A estranheza quanto à origem do incêndio levou a que a actriz e co-produtora Noémia Costa solicitasse uma peritagem da Polícia Judiciária. A actriz não deixa de lado a hipótese do incêndio ter tido origem criminosa, já que "não estava ninguém dentro do teatro, os colaboradores tinham acabada de sair para ir almoçar". Hélder Costa também se revela estupefacto com o ocorrido, pois o electricista assegurou-lhe que "no sítio onde começou o incêndio não havia tomada, embora existam fios eléctricos". Manifestações de solidariedade foram uma constanteHélder Costa mostrava-se incapaz de suster as lágrimas perante os inúmeros telefonemas e visitas que ontem foi recebendo de "quase todos os que passaram pelo Maria Vitória". Muitos foram os actores que ao longo do dia passaram por ali para ver os estragos. O responsável do teatro pensa que não estará em causa a exibição da revista preparada para estrear em Outubro, embora admita que não haja verbas que possam suprir os prejuízos. "Tenho entregue ao Maria Vitória 40 anos da minha vida", conclui. Noémia Costa afirma que não pode estar em risco o próximo espectáculo: "Já temos milhares de contos empatados e pessoas em 'stand by' que não aceitaram outros projectos de trabalho por acreditar nesta luta. Vamos ter que estrear, é a única coisa que eu sei". A actriz mostrava-se abatida. "Andamos a lutar diariamente. A minha família está toda incluída no projecto, vivemos disto. Isto não está a acontecer", desabafava. Não foi a primeira vez que o fogo lambeu o Teatro Maria Vitória, que a 10 de Maio de 1986 foi palco de um incêndio bem mais terrível, que o destruiu quase por completo e o manteve fechado até 1990.Quatro anos após o sinistro, o teatro reabriu com a peça "Vitória, Vitória", numa alusão ao esforço feito para recuperar a sala de espectáculos. Já então tinham sido gastos 90 mil contos na renovação daquele espaço, considerado "a catedral da revista", mas que chegou a ter as obras paradas durante um ano, devido à falta de subsídios. Prometidas por várias entidades, as verbas necessárias para voltar a pôr de pé o Maria Vitória acabaram por tardar. Teresa Patrício Gouveia, na altura secretária de Estado da Cultura, comparticipou com 50 mil euros os trabalhos, mas a câmara de Lisboa, à data presidida por Kruz Abecasis, só em finais de 1989, nas vésperas de eleições autárquicas, contribuiu com 20 mil euros, o que motivou queixas de Vasco Morgado e de Helder Freire Costa, à época os responsáveis pela sala de espectáculosInaugurado em 1922, o Maria Vitória é o único teatro em funcionamento no Parque Mayer.Para o mês que vem está prevista a visita a Lisboa do arquitecto Frank Gehry, ao qual a Câmara de Lisboa encomendou um projecto de renovação total do Parque Mayer que não prevê a manutenção das antigas salas de espectáculo que fizeram as glórias do recinto. F.R.

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