Fogo controlado em Portugal é inferior a um por cento da área já ardida
Hoje, já ninguém tem dúvidas de que o recurso ao fogo controlado durante o Inverno é uma das medidas mais importantes para evitar o impacte dos incêndios no Verão. Mas em Portugal ainda só se queimam de forma controlada entre mil a 1500 hectares de floresta por ano - menos de um por cento da área ardida já em 2003.Estes números mostram bem o estado a que a prevenção dos incêndios chegou no país, sobretudo se os compararmos com os dos Estados Unidos - o berço do fogo controlado. Este ano, já arderam naquele país cerca de um milhão de hectares (um valor que deve ser relativizado face à dimensão dos EUA). Mas a área queimada de forma controlada também este ano vai já nos 900 mil hectares. Os americanos descobriram há muito tempo que, quanto mais queimarem durante o Inverno, menos área ardida terão no Verão. É por isso que o objectivo da administração Bush é aumentar em cinco vezes a área a queimar de forma controlada.O pai do fogo controlado chama-se Edwin Komarek, um especialista florestal americano que viveu durante algum tempo com tribos índias em Tallahassee, no estado da Flórida, para tentar perceber por que razão os índios queimavam grandes quantidades de floresta e, no entanto, conseguiam ter um dos mais extraordinários parques florestais de todo o mundo. Na década de 70 do século passado, Komarek esteve em Portugal, no Parque Nacional da Peneda-Gerês, cujo director da altura era Moreira da Silva, uma lenda vida da silvicultura nacional. Aquela área protegida era muito fustigada pelos fogos florestais. Depois de visitar o parque, Komarek chegou à conclusão de que Portugal era um país de plantas pirófitas - espécies que gostam do fogo, como a esteva, por exemplo - e deixou um conselho para combater o flagelo dos fogos florestais: "Olhem para os vossos pastores como eu olhei para os índios da América". Para o especialista americano, a solução para os fogos florestais estava mesmo ali à mão. Bastava recuperar uma tradição ancestral praticada pelos pastores. Quando Portugal era verdadeiramente um país florestal e as aldeias ainda tinham gente, os pastores queimavam todos os anos, pelo Inverno, parcelas de mato para obter na Primavera pastagens frescas. Com esta medida, diminuíam a carga de combustível existente, aumentavam a fertilização dos solos, através da incorporação das cinzas (ricas em nutrientes) e criavam espaços limpos que funcionavam como corta-fogos. O exemplo do GerêsMoreira da Silva aprendeu bem a lição e, como recorda Hermínio Botelho, investigador da UTAD na área dos fogos controlados, "fez coisas extraordinárias no Gerês". Foi aí que o fogo controlado começou a ser aplicado em Portugal. Moreira da Silva criou um plano de fogos controlados para toda a região minhota e formou várias equipas de técnicos. Depois, aquele engenheiro florestal regressou à Circunscrição Florestal do Porto - que já liderara - e, nos anos 80, foi "pura e simplesmente saneado", diz Hermínio Botelho. E o trabalho que começara foi-se perdendo. Mais tarde, Moreira da Silva ainda criou a Associação Florestal do Norte e Centro de Portugal (Foresti), que tem estado na vanguarda do associativismo em Portugal e que, nos últimos anos, tem promovidos inúmeros cursos sobre a utilização do fogo controlado.Actualmente, há equipas de técnicos florestais ligados a associações de produtores a fazer queimadas controladas nas regiões do Minho e Centro. Mas a intervenção, como se vê pelos números, é ainda muito incipiente, apesar do elevado nível de conhecimento técnico existente no país. Mas continuam a faltar técnicos com preparação para fazer essas queimadas e, sobretudo, condições ao nível da gestão das propriedades, que são na maioria dos casos muito pequenas e com titulares desconhecidos. Só "ganhando dimensão, através do associativismo, se pode fazer uma gestão equilibrada e sustentável economicamente", defende Hermínio Botelho. Este responsável não tem dúvidas de que o reforço do associativismo e o incremento do fogo controlado são "fundamentais" para se ter êxito no combate aos fogos florestais. "Bastava fazer só as gestão dos matos para reduzirmos de forma significativa a dimensão dos incêndios", assegura. Além do mais, acrescenta Hermínio Botelho, o fogo controlado é economicamente muito mais barato do que a limpeza da floresta pela via do corte. Enquanto que a limpeza mecânica custa, em média, cerca de 750 euros por hectares, o fogo controlado pode custar entre 75 a 50 euros por hectare, ou até menos, dependendo dos terrenos.