Comboio na Ponte 25 de Abril é um caso de sucesso
O comboio na ponte 25 de Abril faz hoje quatro anos e a concessionária, a empresa Fertagus, tem boas razões para comemorar, tendo em conta o grau de satisfação dos passageiros. Nunca um serviço ferroviário agradou tanto como este, que conseguiu em 2002 um índice de pontualidade de 99,02 por cento e uma regularidade de 99,9 por cento. Apesar de o número de utentes estar ainda aquém do previsto no contrato de concessão, em 2002 registou-se um aumento de 18 por cento dos passageiros em relação ao ano anterior, precisamente num período em que, em termos globais, a procura de transporte público diminuía na região de Lisboa, com as vendas de passes sociais a caírem seis por cento.Nestes quatro anos a Fertagus está prestes a atingir os 60 milhões de passageiros. Actualmente um quarto das pessoas que se deslocam por razões de natureza obrigatória entre as duas margens do Tejo opta pelo comboio. "Retirámos da ponte cerca de 20 mil automóveis", diz Cristina Dourado, responsável da Fertagus, que apresentará hoje, no Pragal, os resultados de um inquérito que explicam o êxito deste serviço. A maioria dos passageiros valoriza, por ordem decrescente, a pontualidade, a segurança e a frequência dos comboios. Na questão da pontualidade os clientes avaliam o desempenho da empresa em 4,81 numa escala de um a cinco. O índice global do serviço é de 4,36.O quarto aniversário da Fertagus será associado ao dos 70 anos do grupo Barraqueiro, ao qual a empresa pertence. Por isso, é hoje inaugurada no Pragal uma exposição com autocarros históricos e outros mais modernos do grupo. É que a única empresa ferroviária privada portuguesa está integrada numa cadeia de transportes que inclui a Sulfertagus (também do grupo Barraqueiro), cujos autocarros ligam as localidades da Margem Sul às estações do comboio. "Temos 43 autocarros a operar e fazemos 1200 viagens por dia, adaptando os horários entre as estações e a circulação em função das dificuldades de escoamento do tráfego, mas garantindo sempre as ligações desde o início da circulação dos comboios até à meia-noite", diz Cristina Dourado.O passageiro pode andar nos dois meios de transporte com um único bilhete. É isto a intermodalidade que os políticos tanto apregoam quando falam no sistema de transportes. Há mais exemplos - as pessoas podem comprar passes mensais combinados entre a Fertagus, a Carris e o Metro, ou entre a Sulfertagus, a Fertagus e a CP, e ainda entre estes e os parques de estacionamento."O parqueamento automóvel é fundamental para nós. Neste momento atingimos uma taxa de ocupação ao dia útil de 70 por cento, com uma ocupação média de 4200 veículos ao dia útil", diz a mesma responsável, que vê no bom funcionamento dos parques uma das razões para os muitos terem passado a andar de comboio. Vinte e seis por cento dos clientes da Fertagus usavam dantes o carro para chegar a Lisboa ou a outros destinos. E a julgar pelo tipo de veículos que parqueia junto às estações, parece claro que a classe média e média-alta não rejeita o comboio.Está previsto aumentar a capacidade do parque do Pragal e criar serviços de apoio como, por exemplo, a limpeza de automóveis nos parques. Prevê-se ainda reforçar a oferta da Sulfertagus e implementar um sistema personalizado de informação, com utilização do correio electrónico. Já é possível obter horários dos comboios através do telemóvel. Em dia de aniversário a empresa anuncia para breve o prolongamento do serviço de Entrecampos até à estação de Roma-Areeiro. Já quanto à extensão a Setúbal "estão todas as hipóteses em cima da mesa", incluindo a de não se fazer o serviço (ver Perguntas e Respostas).Embora a Fertagus tenha vindo a acumular prejuízos, a operacão do comboio da ponte é rentável. Em 2002 as receitas da exploração cobriram os custos em 2,8 milhões de euros, o que representa um acréscimo de 81 por cento face ao ano anterior em que os resultados operacionais foram de 1,5 milhões.Mas tendo em conta os pesados investimentos efectuados, nomeadamente a compra de material circulante, os resultados líquidos da empresa são claramente negativos. Só as amortizações e provisões representam no balanço de 2002 cerca de três milhões de euros. Contas feitas, a Fertagus já acumula perto de cinco milhões de prejuízos, se bem que estes sejam cada vez menores.Até à data a empresa ainda não recebeu quaisquer indemnizações compensatórias do Estado pelo facto de não ter conseguido atrair o número de passageiros mínimo previsto no contrato de concessão, que deverá vigorar durante 30 anos - à excepção de 7,37 milhões de euros de taxa de uso devidos à Rede Ferroviária Nacional pela utilização das infra-estruturas ferroviárias. EVOLUÇÃO DA PROCURA (em milhões de Passageiros Transportados)Julho 99 a Junho 2000 9,2 Julho 00 a Junho 2001 13,2 Julho 01 a Junho 2002 16,3 Julho 02 a Junho 2003 18 QUADRO DE PESSOALMaquinistas 31Operadores comerciais 74Chefias intermédias 12Controle de tráfego 5Manutenção dos comboios 17Segurança 2Área administrativa 13 A empresa diz que não tem ninguém com contratos a prazo. A limpeza das estações e dos comboios é realizada em "outsourcing", bem como a segurança das estações da Margem SulP&RPor que está em risco o prolongamento a Setúbal?Quando haverá extensão do serviço até Setúbal?No primeiro trimestre de 2004 já estará concluída a linha dupla electrificada entre Coina e Pinhal Novo que vai permitir a extensão do serviço suburbano do Fogueteiro até Setúbal. Mas a Fertagus e o Estado ainda não negociaram o prolongamento da concessão. O que parece claro é que, em 2004, a Rede Ferroviária Nacional terá uma nova linha concluída que deverá ficar, no mínimo, meses sem ser aproveitada.O que está em causa?A Fertagus precisa de comprar mais comboios para fazer esse serviço e pretende que o Estado lhe assegure o financiamento pois, apesar dos prejuízos terem vindo a diminuir, o negócio do comboio na ponte não tem sido rentável. E o Estado vai dar indemnizações compensatórias à Fertagus?O Estado deixou terminar em Dezembro de 2002 a primeira parte da concessão com a Fertagus (que é de 30 anos, mas deveria ser revista ao fim dos primeiros três anos) sem ter negociado os moldes em que a mesma deveria continuar a funcionar e respectivas compensações. Agora encontra-se numa posição fragilizada, porque vai ter que negociar não só a continuação da concessão, como ainda a sua extensão a Setúbal, respectivas compensações e eventual financiamento do material circulante.Quem negoceia?O Ministério das Obras Públicas, através do Instituto Nacional do Transporte Ferroviário, e o Ministério das Finanças. Mas as negociações ainda não começaram e só há poucos dias foram nomeados pelos respectivos ministros os respectivos representantes.No curto prazo, a Fertagus pode começar por prolongar o serviço até Coina e Penalva, o que poderá ser feito com a sua actual frota de comboios. Mas para ir a Pinhal Novo ou Setúbal precisa de mais composições. Uma hipótese seria usar as automotoras de dois pisos da linha da Azambuja da CP (que são iguais às da Fertagus). Só que a transportadora pública já fez saber que não quer dispensá-las, porque lhe fazem falta. Outra hipótese é a CP e a Fertagus encomendarem ao fabricante Alstom mais automotoras e reboques (carruagens não motorizadas que podem ser inseridas no meio da composição por forma a aumentar a sua capacidade), que, contudo, nunca estariam concluídas no primeiro trimestre de 2004. Uma última possibilidade é a Fertagus não querer a concessão até Setúbal.Há estudos de mercado para esse percurso?O Instituto Nacional de Transporte Ferroviário tem em curso um estudo de procura no eixo Lisboa - Setúbal que poderá definir o tipo de oferta ferroviária que ali melhor se adequa. C. C.Satisfação parece ser a palavra de ordem dos utentes da Fertagus. Os passageiros estranham mesmo as perguntas sobre a qualidade do serviço. "Claro que é bom", "muito bom", "foi a melhor coisa que podiam ter feito" - declaram, como se proferissem postulados universais que só um extraterrestre ignorasse.Carruagens modernas, ar condicionado e música ambiente são luxos a que todos já parecem habituados. Lá há quem abra um livro ou um jornal, mas a maioria dos passageiros limita-se a encostar a cabeça ao banco, com ar satisfeito, como se não houvesse um minuto a desperdiçar na curta viagem.Sara, funcionária pública, considera o serviço "excelente". Antes de haver comboio na ponte gastava cinco horas por dia em transportes, desde Corroios até ao Lumiar. Era uma viagem de carro até Cacilhas, apanhar o barco, um autocarro para o metro, que a levava até ao campo Grande e, finalmente, outro autocarro até ao Lumiar. No regresso a casa era o mesmo desfilar de transportes públicos. Agora leva o carro até ao parque de estacionamento da estação ferroviária, apanha o comboio e em 17 minutos está em Entrecampos. Garante que em quatro anos só tem a dizer bem do serviço. E mesmo duas reclamações menores que fez à Fertagus obtiveram resposta escrita em pouco tempo, o que também constituiu uma agradável surpresa.Funcionários simpáticos, estações agradáveis, rapidez de serviço e mais tempo para viver foi o que Sara garante ter ganho nestes quatro anos.E, em tempo de férias, os banhistas não esqueceram o comboio da ponte para as suas deslocações para as praias. No Verão a empresa tem disponível, a partir de 1 de Julho, por 3,15 euros, um bilhete combinado, que inclui ida e volta de comboio e camioneta, de qualquer estação da Fertagus até ao Pragal, onde podem apanhar as carreiras 194, 124 ou 127, dos Transportes Sul do Tejo, para as praias da Costa da Caparica e da Fonte da Telha.Segundo Artur Carvalhal, da Fertagus, o hábito de rumar ao mar através do comboio da ponte parece que já se instituiu, pois este ano, mesmo antes de se anunciar a campanha "Praia 2003", já cerca de 300 passageiros tinham adquirido estes títulos de transporte.