Os afilhados da América à espera dos "marines"
Panquecas e donuts são o normal ao pequeno almoço, e os fiéis cantam espirituais negros numa igreja baptista do século XIX construída por escravos do Sul dos Estados Unidos. É domingo na Libéria devastada pela guerra, num país da África Ocidental que tem uma alma americana a chorar por auxílio."Pedimos a Deus que os americanos enviem soldados e nos tragam a paz de espírito e corações tão suaves como o algodão", murmurou Nessidee Mason, de 55 anos, por entre os hinos cantados exuberantemente na Igreja Baptista da Providência, em Monróvia, com o telhado a deixar cair água depois de bombardeamentos recentes.Rodeados por recordações da influência cultural e política da América neste país da África Ocidental, os liberianos olham para os Estados Unidos como o potencial salvador daquilo a que Mason chama um "ramo da árvore americana".A guerra civil continua a devastar a Libéria, uma nação de três milhões fundada há 150 anos por escravos libertados nos Estados Unidos.Para além dos liberianos, dirigentes europeus e o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, estão a pressionar os Estados Unidos para que sigam o exemplo do Reino Unido e da França, que enviaram tropas para ajudar a acabar com guerras nas suas antigas colónias africanas Serra Leoa e Costa do Marfim. Com vozes influenciadas fortemente pela pronúncia do Louisiana e do Mississipi, os liberianos saudaram os conselheiros militares norte-americanos, gritando "George Bush, queremos paz", depois de uma equipa avançada ter chegado a Monróvia na semana passada.A equipa tem estado a visitar portos, pistas de aviação e campos de refugiados para se inteirar das necessidades logísticas antes de um possível envio de soldados ou de ajuda humanitária. Outros norte-americanos estão a assistir às conversações de paz sobre a Libéria que decorrem no Gana.Na capital da Libéria, cujo nome é uma homenagem ao quinto Presidente dos Estados Unidos, James Monroe, um número crescente de civis já depende dos norte-americanos para segurança numa guerra que matou milhares e obrigou mais de um milhão a deixar as suas casas.Num edifício da embaixada que outrora alojou diplomatas e que ainda é guardado pelo pessoal de segurança liberiano da representação diplomática dos Estados Unidos, mais de mil pessoas foram autorizadas a construir abrigos desde que os combates para ali os atiraram no mês passado. Perto, outros refugiados dormem e fazem fogueiras para cozinhar por entre os pilares de um antigo salão maçónico que faz lembrar uma mansão das plantações do Sul dos EUA.Reed Harris, um consultor jurídico de 41 anos que procurou refúgio nos terrenos da embaixada, declarou não se sentir seguro em mais nenhum lugar."A Libéria é um país americano, portanto é lógico pedir auxílio ao Governo dos Estados Unidos. Ficaremos aqui até a guerra acabar", disse.Na Igreja Baptista da Providência, construída no centro de Monróvia em 1839, e aumentada a partir de 1970 com a ajuda de igrejas dos Estados Unidos, o reverendo Joseph J. Roberts descreveu a América como o "big brother" que "tem o poder de acabar com o nosso sofrimento"."A América é o país de todos os países. A presença de tropas americanas resolverá tudo", disse Roberts à Associated Press.Opiniões semelhantes foram ouvidas em bancas de rua, onde pão de milho, biscoitos, donuts e panquecas se podem comprar por 20 dólares liberianos (cerca de 25 cêntimos). No Shark's, um centro comercial de Monróvia, algumas pessoas comem gelados ao mesmo tempo que debatem a questão que está na mente de todos: "Virão os americanos?".Os Estados Unidos gastaram centenas de milhões de dólares em auxílio à Libéria durante a guerra fria, quando o país tinha um grande transmissor da rádio Voz da América e uma pista de aviação onde aviões norte-americanos se reabasteciam de combustível.A partir da independência, em 1847, e até há duas décadas, a Libéria foi governada por membros da elite - descendentes de escravos, por vezes mencionados como "pioneiros". Combateram frequentemente tribos locais e divulgaram os costumes norte-americanos, tal como os franceses e os britânicos propagaram as suas culturas quando foram potências coloniais na África.Em 1980, um golpe dado por Samuel Doe deu as rédeas do poder à etnia krahn, tornando-se Doe o primeiro Presidente da Libéria que não descendia dos escravos libertados nos Estados Unidos. Nove anos depois, rebeldes comandados por Charles Taylor, um antigo empregado de uma estação de serviço, e fugitivo de uma cadeia do Massachusetts, de origem libero-americana, lançou uma sangrenta guerra de sete anos. A sua vitória eleitoral em 1997 é atribuída a ameaças de que reacenderia a guerra se perdesse.Os inimigos de Taylor reagruparam-se em 1999 e lançaram uma rebelião para o derrubar, ganhando fortemente terreno e entrando por duas vezes na capital durante o mês passado.Nessidee Mason, da Igreja Baptista, afirma que os seus parentes do sexo masculino se juntaram recentemente a vizinhos, num subúrbio de Monróvia, para formar um grupo de "vigilantes" que patrulhasse as ruas e evitasse a entrada nelas de rebeldes ou milícias governamentais. "Estamos cansados de olhar por cima do ombro. Queremos que a América venha e nos liberte de todos os senhores da guerra", declarou Mason. "Depois, rezo para que possamos aprender a voltar a amar-nos uns aos outros". Associated Press