A arquitectura de Távora celebra a vida
"A capacidade da arquitectura em celebrar a vida" é, segundo Francesco Dal Co, historiador e crítico de arquitectura italiano, um dos valores que distinguem Fernando Távora no contexto internacional da cultura arquitectónica do século XX.Dal Co, também director da revista "Casabella", responsável pela secção de Arquitectura da editora Electa e professor catedrático de História da Arquitectura no Instituto Universitario di Architettura di Venezia e na Accademia di Architettura del Ticino, esteve em Coimbra na conferência de encerramento ao público da exposição dedicada a Fernando Távora. O encontro, integrado na programação Coimbra 2003 - Capital Nacional da Cultura e no ciclo Leonardo Express, decorreu, quarta-feira, no auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e o ambiente - apesar da greve de estudantes desse dia - era de comemoração.Concentrando a sua palestra em torno de Carlo Scarpa (1906-1978), Francesco Dal Co destacou a coincidência feliz que uniu Távora a este arquitecto italiano em torno da reflexão sobre o tempo e, principalmente, a utilização do desenho enquanto processo de investigação. Falou de Scarpa porque, segundo explicou, não poderia falar de Távora com a eloquência que este merece. Scarpa foi, então, o pretexto para a homenagem que Dal Co quis fazer ao arquitecto português, que inaugurou a linhagem mais visível da cultura arquitectónica nacional - a da Escola do Porto.Dal Co descreveu o desenho presente em Távora (e em Scarpa) - dando como exemplo esquissos da Quinta da Conceição (Matosinhos, 1956-1960) - como denso e compacto denunciando um "medo do vazio, um controlo total do projecto". Um desenho que revela, assim, uma necessidade de precisão que orienta e disciplina o gesto de fazer arquitectura. Mas que também comunica uma angústia, a que antecipa o momento em que a obra de arquitectura deixa de pertencer ao seu autor, ou seja, quando passa para o domínio público."O passado é o confronto com o tempo", disse Dal Co. Este tempo não é nem nostálgico (face ao pendor artesanal que tem sido sugerido por alguns historiadores no percurso dos dois autores), nem um retorno historicista (ou formal); antes um modo de pensar a obra arquitectónica. Um tempo, ainda, que se transporta para a construção: "Prolongar o acto de criação ao próprio estaleiro da obra", intervindo enquanto esta se realiza, não a dando por terminada até que esteja plenamente concluída (edificada) foi outro dos pontos que Dal Co sugeriu como de aproximação entre Távora e Scarpa. Esclareceu ainda que Távora "faz arquitectura do único modo que pode ser feita" - através da repetição dos gestos e da dúvida contínua do que significa ser arquitecto, mas também do desejo celebrado em sê-lo. Numa época em que a historiografia de arquitectura está interessada em fazer uma revisão dos contributos de arquitectos que se empenharam em revoluções menos ruidosas que aquelas que o Movimento Moderno representou, a hipótese da dúvida permanente e da integração da "celebração da vida através da arquitectura" pode ser uma perspectiva de aproximação ao legado de Távora. Uma das perguntas colocadas pelo arquitecto Manuel Mendes - convidado na sessão enquanto comentador - foi precisamente a do verdadeiro contributo de Távora para a modernidade portuguesa. Távora que, segundo Manuel Mendes, escreveu num dos seus diários considerar-se um "moderno determinado". Todavia, o que Mendes lê de maior importância nesse percurso é o da sua "poderosa autonomia", uma independência face aos dogmas do século XX que garante a Távora a sua singularidade no contexto da vertente mais internacional da arquitectura moderna. Esse pode muito bem ter sido o significado da recente atribuição do grau de doutor "honoris causa" com que Távora foi distinguido em Veneza. "Uma cerimónia inédita" - como salientou o arquitecto Gonçalo Byrne -, porque realizada no Palácio dos Dodges na Praça de São Marcos, ex-libris da cidade, facto que parece somente ter sido igualado no mundo da arquitectura pelo americano Frank Lloyd Wright.