O futebol jogado por robôs

'Então como é que funciona o vosso robô?", pergunta Manuela Veloso a dois jovens, sentados no chão, que preparam a sua máquina para uma partida de futebol. Eles começam a explicar, ainda sem saberem que estão a falar com a vice-presidente da Federação Mundial de Robocup. Na antiga Feira Internacional de Lisboa, dois campos de tamanho diferente e uma pista de corridas foram o cenário do 3º Festival de Robótica, que juntou, durante três dias, 91 equipas e mais de 400 participantes, todos dispostos a mostrarem os atributos dos seus robôs.Para além da diversão e dos jogos de futebol robótico, que foram uma espécie de ensaio geral para a Robocup 2004 - que se realizará em Portugal no próximo ano -, o festival contou também com a participação de diversos investigadores na área da robótica. E o futebol com robôs foi um bom pretexto para se mostrar como tem avançado a tecnologia.Manuela Veloso é professora no departamento de ciências computacionais da Carnegy Mellon University, em Pittsburg, nos EUA, para além de fazer parte da Federação Mundial de Robocup. O seu interesse pela robótica levou-a a licenciar-se no Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, e mais tarde a rumar aos Estados Unidos para prosseguir a sua formação e o seu trabalho de investigadora e professora. A ideia de pôr robôs a jogar futebol surgiu mais tarde, em 1996. Hoje, Manuela Veloso considera que é uma excelente forma de aliciar os mais novos para a área da investigação tecnológica."Existem várias modalidades no futebol com robôs e é muito interessante perceber que a cada uma correspondem diferentes desafios técnicos", diz Manuela Veloso. Uma das modalidades está relacionada com a simulação: "É uma espécie de jogo virtual em que os computadores é que jogam." Neste caso, os problemas relacionados com a parte física das máquinas não se coloca - não é necessário que andem ou que vejam, por exemplo; não há "hardware" nem sensores. Outra das modalidades é caracterizada pelos chamados "small size", robôs de tamanho pequeno, com rodas, que jogam num campo pequeno e com uma câmara por cima. Para além desta, há ainda a categoria "middle size", composta por robôs bastante maiores, que podem integrar câmaras e vários sensores, de acordo com a imaginação e os objectivos dos participantes. Neste caso, o jogador tem como únicas limitações o número de máquinas que pode colocar dentro do campo e a sua dimensão, já que estas não podem exceder o tamanho estipulado.Finalmente, uma outra modalidade é disputada pelos Aibo, os cães-robô criados pela Sony, que possuem uma câmara integrada e são capazes de localizar a bola e de comunicar uns com os outros através de ondas hertzianas. "Neste caso, a plataforma de 'hardware' é a mesma para toda a gente e a única diferença é o 'software' utilizado".Esta modalidade, jogada com os Aibo, é a mais popular. "São os campeões", diz Manuela Veloso, que começou a jogar futebol com robôs na vertente de simulação, depois passou para os "small size", tendo sido campeã em 1997 e 1998, e para os Aibo, tendo ganho a Robocup em 1998 e em 2002."Portugal é um país com uma enorme presença na área da robótica", diz. Esse terá sido um dos motivos que levou à escolha de Portugal para a organização da Robocup 2004, uma espécie de campeonato do mundo de futebol para robôs. Assim, quando os melhores futebolistas da Europa estiverem a dar espectáculo nos novos relvados portugueses, outros "futebolistas" - feitos de circuitos integrados, câmaras, sensores e outros frutos da electrónica e da matemática - irão também disputar o seu campeonato, mostrando os mais recentes avanços da robótica. "Não é nada tradicional conseguirmos juntar, num festival de robótica como este, 92 equipas e cerca de 400 participantes", diz Manuela Veloso.Nos campeonatos de futebol com robôs, a participação tem sido de cerca de 20 países. No Japão, onde a Sony tem a sua sede e onde nasceu o Aibo, existe "uma enorme paixão pela robótica, sobretudo na vertente do entretenimento". De facto, só uma grande paixão pode ter justificado a presença de 110 mil pessoas na edição da Robocup que se realizou, neste ano, precisamente no Japão. "É um caso à parte. Uma dimensão que nunca tínhamos visto".Além do Japão, há alguns países europeus onde o futebol jogado por robôs começa a ganhar expressão. É o caso de Alemanha, Itália e Portugal, adianta Manuela Veloso, sem esquecer também os EUA. "Aí o futebol não é tão comum mas as pessoas acabam por perceber que isto não é apenas um jogo e que não tem nada a ver com futebol". Daí a adesão por parte de quem, mesmo não apreciando futebol, gosta de ver como está o estado da arte, como é que a tecnologia permite a comunicação entre os robôs e o seu trabalho em equipa."O que se vê agora é o ponto em que se encontra o futebol de robôs em 2003 mas não é a meta. Estamos todos a fazer mais e mais investigação para que os robôs sejam mais rápidos, possam andar no exterior ou em cima da relva". Manuela Veloso recorda que, em 1999, os robôs com que se disputava os jogos quase não andavam, demoravam muito tempo a processar uma imagem e ficavam sempre perdidos no meio do campo. É devido a toda a tecnologia que se encontra por detrás destes robôs que Manuela Veloso diz que o futebol robótico está longe de ser apenas um jogo divertido. Na verdade, a investigação em que assenta a concepção destas máquinas e que as colocam a comunicar entre si e a funcionar em equipa, podem depois ser utilizadas noutras tarefas - apagar fogos ou salvar pessoas em desastres poderão vir a ser algumas das funções executadas por robôs, disse Manuela Veloso, procurando antecipar as aplicações futuras da robótica. Afinal, "qualquer tarefa complexa é um trabalho de equipa".Até ao aparecimento do futebol de robôs, um conjunto de investigadores desenvolvia apenas uma máquina para determinada função. "Actualmente, qualquer pessoa que trabalha em robótica já só pensa em robôs múltiplos, e essa é uma mudança que se deve ao futebol robótico", concluiu.O facto de os robôs serem utilizados para realizar um trabalho de equipa como o futebol "não é relevante, do ponto de vista científico", mas "o futebol é capaz de atrair milhares de pessoas, sobretudo crianças, para a investigação científica futura".Manuela Veloso lembra-se de ter desenhado, juntamente com um colega, os diferentes campos em que hoje têm lugar os jogos. Estava-se em 1996 e Manuela Veloso não imaginava o impacto que viria a ter o futebol jogado por robôs.

Sugerir correcção