De certa forma, nem uma coisa nem outra. Partindo do argumento original do filme de Melville (reescrito pelo próprio Neil Jordan), "O Bom Ladrão" adopta uma pose bastante pragmática, quando não mesmo bastante exuberante, que se preocupa mais com as peripécias do que com o resto - e nesse sentido será menos um "remake" do que um filme que se baseia no argumento de outro filme, não se parecendo necessariamente um com o outro. É um filme bastante divertido e bastante movimentado (nem sempre estas duas características andam a par...), parecendo corresponder à faceta mais "espumante" de Jordan. Funciona como um filme de género, retomando o modelo do "heist movie", ou do "filme de assaltos" ou de "grandes roubos". Até por isso, curiosamente, o filme que mais traz à memória é bastante recente: o "Ocean's Eleven" de Steven Soderbergh, também ele um "remake", também ele um filme com uma componente evocativa, e já agora, também ele um filme sobre roubos em casinos (no caso de "O Bom Ladrão", trata-se de perpetrar um audacioso roubo no casino de Montecarlo, na véspera do Grande Prémio). Aliás, se o submundo dos dois filmes é bastante diferente - nada a ver com os elegantíssimos ladrões de casaca do filme de Soderbergh - dir-se-ia haver um semelhante investimento no "glamour", se bem que aqui num modelo mais marginal e mais "desalinhado", como uma apologia do "glamour" do "falso negligé": o velho ladrão "junkie" interpretado por Nick Nolte é uma homenagem ambulante ao anti-herói cheio de "anti-glamour", uma aposta em qualquer coisa parecida com o charme da decadência.
É preciso notar que apesar de tudo se passar na capital mundial do "glamour" - a cosmopolita Montecarlo - o que mais se vê é o seu reverso: um sul de França feito de outro tipo de cosmopolitanismo, onde se mistura o velho ladrão americano de Nick Nolte com "dealers" argelinos, prostitutas adolescentes bósnias, ladrões "high tech" russos (inesperada participação secundária de Emir Kusturica), traficantes de arte ingleses (um quase-cameo de Ralph Fiennes)... Alguém falou em globalização?...
Neil Jordan dirige tudo isto com uma eficácia irrepreensível e com o visível gozo de quem se está a divertir bastante. Ao mesmo tempo, "O Bom Ladrão", para continuar a falar em homenagens, vê-se como uma espécie de "tributo" a Nolte, cuja "non-chalance" cheia de gravidade evoca na perfeição o recorte modelar da figura do "anti-herói" clássico - em última análise, "O Bom Ladrão" é um filme para Nick Nolte. Ah, e quase nos esquecíamos de falar da impagável relação (tipo "catch me if you can") entre a sua personagem e a de Tchéky Karyo, o polícia que o persegue mas... non troppo. Em resumo, e como já se deve ter percebido, é um óptimo divertimento.