Instituto de Higiene e Medicina Tropical celebra 100 anos com prioridades ameaçadas
É uma instituição de investigação científica de referência, conhecida pelo apoio à sociedade na área das doenças tropicais e da cooperação na saúde com os países lusófonos. Hoje terminam as comemorações do centenário da sua fundação, com a visita de Jorge Sampaio, no âmbito da Presidência Aberta sobre a inovação. Mas não se vivem ali dias fáceis. Fazer investigação com orçamentos reduzidos e manter uma política de cooperação com África é cada vez mais complicado, diz o director do instituto, Jorge Torgal. Ontem, em véspera de visita presidencial, o ambiente era de corrupio. À entrada nascia a placa comemorativa do centenário, preparavam-se as apresentações, alguns investigadores lutavam, nos últimos momentos, por expor os "posters" que descreviam os seus projectos de investigação. Ao todo, 128 funcionários colaboravam para arranjar a casa, para que tudo corra bem hoje, que é dia de festa.Há três anos como director do instituto, Jorge Torgal explica que entrou no IHMT numa altura favorável ao desenvolvimento de uma estratégia que dava prioridade à cooperação com os países africanos de língua portuguesa: "As coisas corriam bem e pensei que podia dedicar-me à cooperação". Mas cedo a tarefa provou ser mais difícil do que pensava.A investigação, que privilegia as áreas das doenças infecto-contagiosas, como a sida, e de vectores de doenças como a malária ou doença de Lyme (mosquitos e carraças, respectivamente), atingiu um estado de excelência. Só entre 2002 e 2003 cerca de 30 doutorados do instituto publicaram 43 artigos em revistas internacionais. Mas é na área da cooperação que tudo tem sido mais difícil: "Não estamos a falar de uma espécie de assistência humanitária nem de emergência às populações dos países africanos de língua portuguesa. Estamos a falar no reforço das estruturas de saúde e de formação dos investigadores de lá", explica, realçando a mais-valia dessa cooperação para a investigação na área, por exemplo, da malária.No último ano, com a fusão da Associação Portuguesa de Apoio ao Desenvolvimento (APAD) e do Instituto de Cooperação Portuguesa (ICP) num único organismo - o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) -, tudo se complicou. Os financiamentos começaram a não chegar: "O Centro de Medicina Tropical da Beira [Moçambique], que tinha financiamento da APAD, está parado", refere. Com esta região moçambicana existem projectos destinados à prevenção da transmissão materna do vírus HIV.Torgal sublinha que mais projectos de cooperação entre investigadores portugueses e luso-africanos pararam no último ano. "O projecto de cooperação entre Estados Unidos e Portugal para o controlo da malária em São Tomé e Príncipe está parado, à espera que as autoridades portuguesas tomem uma decisão", adianta. Este é um dos projectos prioritários do IHMT, resultante dos trabalhos de campo desenvolvidos por investigadores do Centro de Malária desde 1993 e do "know-how" português na área, adquirido durante os anos de presença portuguesa em África.Virgílio do Rosário, director do Centro de Malária e outras Doenças Tropicais do IHMT, adianta ainda que, face ao impasse provocado por Portugal, o trabalho de cooperação com os Estados Unidos ficou ameaçado e outros países estão já no campo para iniciar estratégias de controlo da malária. É o caso de Taiwan, que já tem a aprovação para arrancar em breve com uma campanha em são Tomé e Príncipe.Mas as dificuldades de financiamento não se restringem à cooperação. Com um financiamento estatal reduzido, que cobre apenas as despesas de funcionamento, Jorge Torgal afirma que o futuro do trabalho ali feito depende sobretudo das propinas dos cursos ministrados e do financiamento externo conseguido pelos investigadores para os seus projectos. Isto tornou-se mais óbvio no último ano, sublinha. ""Temos 128 funcionários. O Orçamento do Estado dá para pagar os ordenados, a água, o telefone e a luz, o material informático, o papel e os artigos de higiene. Ainda".A promessa do anterior Governo de classificar o IHMT como laboratório associado do Estado, figura que lhe atribuiria algumas vantagens financeiras e jurídicas, ficou no papel com o novo Executivo. E há ainda o problema de um quadro envelhecido - "cerca de 30 funcionários têm mais de 25 anos de casa" - e grande parte do trabalho de investigação é assegurado por bolseiros sem vínculo contratual ao instituto, que se vê impossibilitado de contratar à medida das necessidades."Temos de olhar para o futuro. Não podemos limitar-nos a celebrar o passado. Sinceramente, não gostaria de olhar para o IHMT, daqui a dez anos, como uma instituição fantasma", conclui Virgílio do Rosário.