Desenhos escondidos de Miguel Ângelo restaurados
Os desenhos murais encontrados na cela onde Miguel Ângelo se escondeu durante seis semanas da família Medici, seus antigos patronos e governantes de Florença, estão finalmente a ser restaurados. A cela situa-se por baixo da capela da poderosa família florentina do século XVI, na Igreja de San Lorenzo, tendo o artista renascentista aí permanecido entre Agosto e Setembro de 1530, depois de ter perdido a batalha para instaurar na cidade uma república. Licia Bertani, actual directora do Museu Medici em Florença, disse ao diário britânico "Guardian" que "os esboços estavam gravemente deteriorados" e que "o trabalho tinha de ser feito ou os desenhos desapareceriam". Os 50 desenhos murais ou esboços, descobertos em 1975 pelo ex-director do museu, Paolo dal Poggetto, foram alvo de um primeiro restauro em Fevereiro de 1976. Esta intervenção realizou uma série de análises químicas às paredes, encontrando valores elevados de salinidade, responsáveis pela degradação dos desenhos. Nessa altura, toda a superfície da parede foi isolada com o objectivo de atenuar as manchas de humidade, o que permitiu eliminar as fissuras negras das infiltrações e melhorar a leitura dos traços originais. Sete destes desenhos escondidos relacionam-se directamente com as esculturas feitas por Miguel Ângelo para a Sacristia Nova da Capela Medici, sendo o mais importante aquele que remete para a parte inferior da escultura de Giuliano, duque de Nemours. Trata-se de um autêntico estudo preparatório em que se pode ver um jovem guerreiro exibindo uma espada que seria substituída na versão final pelo bastão da Santa Igreja. Um outro desenho representa uma perna, destinada à mesma obra, assim como três perfis de rosto. Entre os desenhos que não estão relacionados com as esculturas presentes na sacristia figura o estudo preparatório de David-Apolo, cuja escultura está no Museu Bargello de Florença. Outro, de grande importância, é um presumível auto-retrato frontal de Miguel Ângelo. Há ainda desenhos que remetem para os frescos que o artista já tinha feito para a Capela Sistina, em Roma, inclusivamente figuras do "Juízo Final". Existem também outras três figuras provavelmente preparatórias da "Queda de Fetonte", um esboço da cabeça de cavalo e, por fim, a cabeça de Laocoonte, representada em toda a sua dolorosa veemência.Desde o início da abertura da cela ao público, em 1979, alguns dos esboços ficaram cobertos por camadas de tinta ou foram danificados pelas cheias e pela respiração dos milhares de pessoas que visitaram a pequena cela não ventilada. Os peritos que estão agora a restaurar os esboços e "rabiscos" de Miguel Ângelo já retiraram restos humanos encontrados por baixo daquele quarto, possivelmente vítimas da peste, que continuavam a contaminar o ar e as paredes.Os desenhos foram todos concebidos num período bastante breve, calculado entre 12 de Agosto e finais de Setembro de 1530, pouco depois da tomada de Florença pelas tropas imperiais e papais. Miguel Ângelo, temendo pela sua vida, refugiou-se na pequena cela sob a capela, depois de ter participado na defesa da cidade como director das fortificações a favor da república que expulsou os Medici. Em escritos do artista renascentista pode ler-se: "Escondi-me nesta pequena cela, sepultado como os Medici mortos acima de mim, mas escondendo-me de um vivo. Para esquecer os meus medos, encho as paredes de desenhos."A sentença dos Medici emitida contra Miguel Ângelo acabou por ser levantada pelo Papa Clemente VII, ele próprio membro da família Medici, para que o artista continuasse o trabalho na capela e nos túmulos dos príncipes. Miguel Ângelo deixou Florença em 1534, deixando o seu trabalho incompleto.