Descoberto gene responsável pelo envelhecimento prematuro das crianças
São crianças que parecem velhas e morrem, por volta dos 13 anos, com as doenças de quem é velho: artérias obstruídas pelo colesterol, ataques cardíacos, luxações da anca ou rigidez das articulações, a que se junta uma pele encarquilhada. Sofrem de uma doença muito rara, a síndrome de Hutchinson-Gilford, e até agora desconhecia-se o defeito genético envolvido. Esta semana, quando a descodificação do genoma humano foi oficialmente dada por finda, duas equipas de cientistas anunciaram a descoberta do gene que, quando é defeituoso, causa o envelhecimento prematuro das crianças. A equipa de Francis Collins, do Instituto Nacional de Investigação do Genoma Humano, em Bethesda, nos EUA - por sinal, o cientista que coordenou o consórcio internacional que sequenciou todas as "letras" do ADN humano -, fez o anúncio da descoberta na revista britânica "Nature". Por sua vez, a equipa de Nicolas Lévy, da Faculdade de Medicina Timone, em Marselha, França, escolheu a revista norte-americana "Science", que publicou o artigo na edição na Internet.O gene, situado no cromossoma 1 e que se chama LMNA, é responsável pela produção de duas proteínas chamadas lâmina A e lâmina C, essenciais à manutenção da estrutura da membrana que rodeia o núcleo das células. Na forma normal, o gene evita que sejamos atingidos por esta doença. Mas, quando está defeituoso, a lâmina A é anormal (a outra proteína não é afectada), o que causa um envelhecimento muito rápido.No nascimento, a criança parece normal, mas ao fim de um ano começam a surgir os sinais da síndrome de Hutchinson-Gilford. O peso não aumenta, o cabelo é escasso e branco, a dentição está atrasada, a pele fica enrugada. Está a envelhecer cinco a dez vezes mais depressa do que o normal e, por isso, começa a ter problemas de saúde tipicamente associados à velhice, como seja a aterosclerose, que é causada pela deposição de colesterol na parede das artérias, obstruindo-as e facilitando a formação de coágulos. Isto leva a que 90 por cento das crianças morram devido à acumulação de colesterol, como se tivessem 60, 70 ou 80 anos, em que os ataques cardíacos são um dos terríveis efeitos.Neste momento, não há cura nem qualquer tratamento que possa atrasar o processo acelerado de velhice. Porém, ao mesmo tempo que a criança se vê a envelhecer sem ter sido adulta, o desenvolvimento mental processa-se de forma normal. Outras características visíveis da doença incluem o nanismo e um rosto pequeno.A síndrome de Hutchinson-Gilford é considerada uma forma clássica de progeria - palavra, derivada do grego, que significa envelhecimento prematuro -, tendo sido descrita pela primeira vez em 1886, em Inglaterra, por Jonathan Hutchinson. Também Hastings Gilford a descreveu nesse ano e, de novo, em 1904. Desde as primeiras descrições foram identificados mais de 100 casos em todo o mundo. Como se depreende, é uma doença extremamente rara, afectando, segundo as estimativas, uma criança em cada quatro milhões. Até à conclusão dos trabalhos das duas equipas de cientistas, ninguém sabia a causa certa, embora se suspeitasse de mutações num único gene. Agora, tanto Francis Collins como Nicolas Lévy confirmam tratar-se da mutação de uma única letra de um gene. A gralha é esta: em vez do normal GGC, aparece GGT. A molécula de ADN, enrolada dentro do núcleo das células, é composta por quatro letras ou unidades químicas: adenina (A), timina (T), guanina (G) e citosina (C). A letra A emparelha sempre a letra T e a G com a C, ao longo da molécula em forma de hélice dupla. A sucessão destes pares de unidades químicas, numa ordem específica, constitui um gene. Este é o alfabeto em que são escritas as fórmulas das proteínas que o nosso organismo precisa de fabricar para viver, segundo um código em que uma palavra - composta por três letras - comanda o fabrico de um dos aminoácidos, ou tijolos, que compõem a proteína. Ora, a mutação de uma das letras da palavra que comanda o fabrico da lâmina A tem implicações profundas. Isto porque as lâminas A e C, em conjunto com a lâmina B, forram a membrana em torno do núcleo das células. Durante a divisão celular, explica um comunicado da "Science", a membrana parte-se, permitindo ao núcleo dividir-se. Depois, à medida que se forma uma nova membrana à volta dos dois novos núcleos, as proteínas voltam a exercer as mesmas funções na manutenção da membrana nuclear. "As células com as proteínas lâminas defeituosas dividem-se de forma incorrecta e morrem prematuramente, prejudicando a capacidade de os tecidos se regenerarem", explica o comunicado.As duas equipas apontam para o facto de esta mutação não ser hereditária mas esporádica, no sentido em que não existirá no genoma de todas as células de um dos pais. A equipa de Francis Collins, que estudou 23 doentes, começou por detectar a mesma mutação do gene LMNA em 20 casos e, surpreendentemente, em 18 deles o genoma dos pais não a apresentava. A este propósito, a equipa de Nicolas Lévy refere ainda à agência AFP: "Trata-se de uma mutação nova, que ocorre inesperadamente num dos espermatozóides ou ovócitos dos pais."Agora poderá começar-se a procurar tratamentos, mas não deverão surgir tão cedo. "Ainda não sabemos o suficiente sobre a função das lâminas para pensarmos já numa terapia. Penso que o faremos nos próximos dez anos, mas será difícil", diz Nicolas Lévy. Mais do que os tratamentos, porque estes casos são muito raros, o que interessa sobremaneira aos cientistas é a compreensão dos mecanismos do envelhecimento. "As implicações do nosso trabalho vão muito para além da progeria e estendem-se a todos os seres humanos", afirma Francis Collins. "O que aprendemos sobre a base molecular do envelhecimento prematuro poderá fornecer-nos uma melhor compreensão do que acontece no corpo à medida que envelhecemos."