Farense em risco de sobrevivência
O pré-anúncio de greve para o jogo da próxima jornada, sábado, em Alverca, é um sinal claro que os profissionais da equipa de futebol do Farense (II Liga) estão com a paciência nos limites, fartos de esperar pela cor do dinheiro, alguns deles com dez meses a "arder". E esta é apenas a face visível da maior crise da história do clube algarvio e da sua Sociedade Anónima Desportiva (SAD) para o futebol, que ontem atingiu um ponto de quase não retrocesso, sem que os (poucos que restam) dirigentes dêem sinal de esperança para solucionarem o problema.A edilidade farense reforçou ontem que não lhe cabe salvar financeiramente o clube, e que também não está disposta a ser o "bode expiatório" de todo este processo. Por sua vez, os jogadores não estão dispostos a continuarem a ceder, e após o treino de ontem marcaram para esta manhã a decisão de se manifestarem, publicamente, através do recurso à greve. Uma greve que seria inédita no futebol português, como já foi o pré-aviso - nunca tal tinha acontecido em 31 anos de existência do Sindicato dos jogadores.No entanto, e segundo o PÚBLICO apurou, existem fortes hipóteses de ser adiada a greve, pelo menos por agora. Tudo indica que será disponibilizada uma quantia aos jogadores, através do dinheiro angariado num jantar marcado para hoje (ver outro texto) ou por intermédio da própria SAD. Esse passo seria suficiente para anular, por agora, o anúncio da greve. Processo longoO Farense sempre viveu com dificuldades, que ano após ano, com maiores ou menores aflições, se iam resolvendo. Mas a corda, de tanto se esticar, acabou por rebentar. Um cenário pré-anunciado, depois do último balão de oxigénio vindo de Salamanca (Espanha) se ter esgotado. Terminada a época de 1998/99, João Alves, treinador do Farense na altura, vivia na incerteza de preparar uma equipa para a I Liga ou para... II Divisão B, risco que o clube algarvio corria, se não saldasse as dívidas ao Estado, referente ao fisco e à segurança social, bem como a vários ex-jogadores e diversos credores. Seduziu então a família Hidalgo, donos do Salamanca, e de quem Alves era íntimo amigo, a investir no clube algarvio, evitando assim a sua despromoção, sendo o valor investido (cerca de 180 mil contos na altura), trocado por acções da SAD que se formou pouco depois. Hidalgo era o accionista maioritário, e David Santos foi indicado pelo clube como presidente do conselho de administração da SAD. Saída de Hidalgo agudiza criseEntretanto, João Alves não concluiria a época, saindo em conflito com David Santos, e Hidalgo, que tinha indigitado o compatriota Pablo Santiago como director-geral da sociedade, começou também a desinteressar-se. Ismael Diaz também veio de Espanha, para treinar o Farense e salvá-lo da descida, não continuando depois por desavenças com David Santos e demais administradores, alegando questões de funcionalidade do futebol do clube. Manuel Balela, um filho da terra, pegou na equipa e deu-lhe dentro do campo uma tranquilidade que lhe valeu bem cedo a manutenção. Mas Balela, estranhamente, e sem nunca explicar os motivos, acabaria por sair, abrindo vaga ao galego Alberto Pazos, que até começou a época de 2001/02 em bom plano. E, mais uma vez, o treinador acabaria por ser vítima de problemas com David Santos, que o demitiu, no ano em que passaram vários treinadores pelo banco dos algarvios (Hajry fez a transição para Jorge Castelo, seguindo-se depois Paco Fortes) e não foi evitada a descida à II Liga. Entretanto, também Pablo Santiago já se tinha ido embora, e Hidalgo vendera as suas acções à Ambifaro, empresa detida a 60 por cento pela Câmara Municipal de Faro, tornando a autarquia como accionista de maior peso, quer de forma directa ou indirecta.Nova SAD, velhos problemasNo início desta época, foi formado um novo conselho de administração da SAD do Farense, com Carlos Pereira à cabeça, acompanhado por nomes sonantes no clube a na cidade, como Fernando Belo e José Catarino. Gomes Ferreira voltou à liderança do clube e foi feita uma revolução no quadro futebolístico do clube, construindo-se uma equipa quase toda nova. Paco Fortes continuou como treinador, mas os resultados originaram a sua saída, voltando uma figura consensual: Manuel Balela. Os resultados dentro do campo foram aos poucos aparecendo, dando a ideia de o Farense ter uma equipa capaz de lutar pela subida. Mas só isso não chega, porque apesar do profissionalismo dos jogadores, que mês após mês não recebiam, tudo se complicou, culminando com as demissões de Manuel Balela e de quase todo o elenco directivo da SAD, Carlos Pereira incluído. Pelo meio, algumas divergências de ponto de vista sobre o usufruto do Estádio São Luís, entre a CM Faro, o clube e a SAD, adiaram um negócio já alinhavado entre a SAD e o grupo alemão Tenglemen envolvendo o recinto. Assim, Gomes Ferreira acumula o cargo de presidente do clube, com o de porta-voz da SAD, e os profissionais do clube vivem em incerteza, e com pouco dinheiro nos bolsos, porque o único que entrou nos cofres do clube nos últimos tempos, resultou de um jantar de angariação de fundos, que mal deu para pagar um mês de ordenados. É com este cenário que Hajry, treinador solidário com os seus jogadores, não sabe se irá orientar o Farense no próximo jogo, dada a intenção, já legalmente manifestada pelos seus jogadores, de não comparecerem ao trabalho.