José Saramago abandona regime cubano
José Saramago voltou ontem as costas ao regime cubano, agastado com a execução na semana passada de três dos autores do desvio de um "ferry". Num artigo de opinião publicado no diário espanhol "El País", o escritor português diz que até aqui acompanhou a ilha, a partir de agora cada um segue o seu caminho. "Até aqui cheguei. De agora em diante, Cuba seguirá o seu caminho, eu fico", começa por dizer o Nobel da Literatura, afirmando a seguir que "discordar é um direito que se encontra e se encontrará inscrito com tinta invisível em todas as declarações de direitos humanos passados, presentes e futuras". "Não creio que se tenha actuado sem deixar lugar a dúvidas no recente julgamento que condenou a penas desproporcionadas os cubanos dissidentes", aponta o escritor do adeus, noticiado por todas as agências internacionais. Sublinhando as incoerências do processo, sumário, que conduziu aos fuzilamentos, todos poucas horas depois de lidas as sentenças, Saramago diz que "não se entende que se houve conspiração não tenha sido já expulso o encarregado da Secção de Interesses dos Estados Unidos em Havana, a outra parte da conspiração." James Cason continuava ontem no cargo. Desproporção: "Sequestrar um barco ou um avião é um crime severamente punido em qualquer país do mundo, mas não se condenam sequestradores à morte, sobretudo tendo em conta que não houve vítimas." No fim, o adeus: "Cuba não ganhou nenhuma batalha heróica fuzilando esses três homens, mas perdeu a minha confiança, danificou as minhas esperanças, defraudou as minhas ilusões." Sexta-feira, após um julgamento qualificado como "sumaríssimo", as autoridades cubanas fizeram executar Lorenzo Enrique Copeyo Castillo, Bárbaro Leodán Sevilla Garcia e Jorge Luís Martínez Isaac, três dos onze sequestradores do "ferry" Baraguá, no dia 2, isto dias depois de ter condenado a pesadas penas de prisão mais de sete dezenas de dissidentes e atraído um coro de protestos. Ontem ao fim do dia, no Luxemburgo, os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia davam os últimos retoques numa declaração condenatória das execuções - e do fim de uma moratória de três anos sobre a pena capital. A iniciativa é tanto mais importante quanto poderá deteriorar as relações entre Cuba e a EU, com eventuais reflexos nas negociações para a adesão da ilha ao acordo de Cotonou - o pacto que rege as relações entre a Europa dos Quinze e os países de África, Caraíbas e Pacífico, que entre outras coisas põe ao alcance destes créditos vantajosos. "Não sei como é que vão evoluir" as relações com a ilha depois do que aconteceu, disse um diplomata europeu citado pela AFP. Havana vem justificando a vaga de prisões com a necessidade de abafar uma conjura inspirada pelos Estados Unidos. Prova disso, disseram funcionários cubanos em entrevistas ontem ao "El País" foram duas declarações recentes, uma de James Cason, outra do embaixador americano na República Dominicana. A do encarregado de negócios, no dia 7, na Universidade de Miami: "À margem do imperativo moral que impulsiona o nosso apoio à democracia em Cuba, também temos um interesse estratégico. A desintegração contínua da sociedade cubana gera instabilidade através da região e cria a ameaça de uma imigração massiva para os Estados Unidos." Cason é a "quinta coluna" de Washington, diz o regime cubano. A de Hans Hertell, o embaixador de San Domingo: "O que se está a passar no Iraque vai dar um sinal muito positivo, e é um muito bom exemplo para Cuba." Segundo a televisão cubana, o diplomata terá até dito que a guerra do Iraque é o início de "uma cruzada libertadora em busca de que todos os países do mundo, incluindo Cuba, ponham em prática um sistema democrático.".