Torne-se perito

Descobertos trilhos de dinossauros carnívoros em Portugal

O Parque Natural das Serras d'Aire e Candeeiros já é conhecido por ter uma das pistas mais longas do mundo de pegadas de dinossauros saurópodes (grandes herbívoros quadrúpedes), na Jazida da Pedreira do Galinha. Agora acaba de ser revelada a descoberta de mais pistas de dinossauros no mesmo parque - desta vez, são centenas de pegadas de terópodes, dinossauros carnívoros bípedes. É a primeira vez que se encontram trilhos de dinossauros carnívoros em Portugal. As pegadas tridáctilas foram descobertas em 1998, pela arquitecta Maria da Glória Araújo e pelos vigilantes António Frazão e Luís António, todos do parque. Estão distribuídas por dois locais, Vale de Meios e Algar dos Potes, que distam cerca de 750 metros entre si e ficam ambos na freguesia de Alcanede, concelho de Santarém. O sítio mais importante é o de Vale de Meios - uma laje de 7500 metros quadrados pejada de marcas de dinossauros. "Tem dezenas de trilhos e centenas de pegadas", conta ao PÚBLICO Vanda Santos, paleontóloga do Museu Nacional de História Natural, em Lisboa, especialista em pegadas de dinossauros. "As pegadas são espectaculares", sublinha a investigadora, que, de vez em quando, se desloca ao local para estudar as pegadas, com Luís Rodrigues, também do museu. Só que esta descoberta foi mantida mais ou menos em segredo, porque em Vale de Meios estavam a trabalhar - e estão - três pedreiras, lado a lado. A descoberta só foi possível porque as pedreiras foram esburacando o chão, até chegar à laje com as pegadas. Assim, optou-se por conciliar a exploração de pedra para as calçadas com a conservação da laje com as pegadas. Também em Algar dos Potes, cuja laje toda pisoteada não está tão bem conservada mas revela a passagem de muitos animais, havia uma pedreira. Mas já está desactivada e a paisagem encontra-se em recuperação. Nestes últimos dias, a directora do Parque Natural das Serras d'Aire e Candeeiros, Maria João Botelho, decidiu tornar pública a descoberta.A maior parte da laje de Vale de Meios está coberta por sedimentos e areias. Por isso, quando Vanda Santos vai lá estudar as pegadas, a laje tem de ser limpa aos poucos, sector a sector. Só depois a paleontóloga pode sublinhar o contorno das pegadas com giz, para em seguida lhes pôr um plástico transparente em cima e copiá-las. As melhores pegadas tem direito a esse desenho de pormenor em tamanho natural, que mais tarde será reduzido (nesta página, está o desenho de uma das pegadas de Vale de Meios). "Fico com a silhueta perfeita da pegada. Isto interessa para comparar com outros registos conhecidos", diz Vanda Santos. "Cá em Portugal não há outro registo igual em idade e tipo de dinossáurio." Os bichos que fizeram as pegadas de Vale de Meios e Algar dos Potes viveram há 175 milhões de anos, no Jurássico Médio. Naquela altura, o mar era baixinho no que hoje são as Serras d'Aire e Candeeiros, e assim os dinossauros atreveram-se a passar numa zona com água pouco profunda. Para os cientistas, a preservação dessa passagem foi uma sorte, e Vanda Santos explica porquê: "Há poucos ossos e pegadas de dinossáurios do Jurássico Médio. Os dinossáurios do Jurássico Superior são muito conhecidos, mas os do Jurássico Médio e Inferior conhecem-se mal. Não é tudo: "A presença de inúmeras pegadas de dinossáurios terópodes, muito bem conservadas, ajuda a compreender a evolução dos dinossáurios em tempos mais antigos."Só que as pegadas apresentam a particularidade de serem de dinossauros carnívoros, o que aumenta o seu valor científico. "É o único sítio com trilhos de terópodes em Portugal. Há pegadas de terópodes mais recentes, do Jurássico Superior e do Cretácico, mas são isoladas e poucas." Exemplo disto são as pegadas de Carenque, perto de Sintra, que acabaram por levar à construção de dois túneis para a passagem da Circular Regional Exterior de Lisboa, depois de uma batalha travada pelo Museu Nacional de História Natural: do Cretácico Superior, com 90 a 95 milhões de anos, há lá pegadas de terópodes, mas o trilho principal é de dinossauros herbívoros bípedes.Também as pegadas na Jazida da Pedreira do Galinha, nos concelhos de Ourém e Torres Novas, têm 175 milhões de anos. Numa enorme laje de calcário, descobriram-se, em 1994, pelo menos 20 pistas de dinossauros, algumas com 140 a 150 metros de comprimento. Mas estas pistas são de saurópodes, além de não apresentarem, por ora, provas de aqueles animais tivessem caminhado lado a lado. Assim, a descoberta de Vale de Meios assume importância pelo facto de poder revelar caminhadas paralelas de vários dinossauros carnívoros: "Há indícios de que é possível ter havido paralelismo, o que leva a pensar num comportamento gregário. Se descobrirmos paralelismo - pela velocidade e dimensões semelhantes das pegadas -, isso revela que um número de animais seguiu à mesma velocidade e lado a lado."

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