Responsáveis curdos desconfiam da iminência de uma ofensiva a partir do Curdistão iraquiano
"A frente norte será brevemente activada", anunciava domingo o responsável pelas relações externas do Partido Democrático do Curdistão (PDK), Hoshyar Zebari, quatro dias depois do início da ofensiva militar contra o Iraque.
Esta foi a primeira vez que um alto responsável curdo confirmou a presença de tropas especiais americanas na região Norte do país e também a aliança dos combatentes curdos (peshmergas - "aqueles que enfrentam a morte") com os soldados dos EUA.
No entanto, na mesma declaração, Zebari realçou que estas manobras ainda não são "a guerra" e que as forças curdas encontram-se numa "posição defensiva" e não tencionam "para já atravessar a linha de demarcação".
Na noite de segunda para terça-feira, o quartel-general dos soldados iraquianos em Khazel, última colina da linha de demarcação perto de Kalak, foi bombardeado e, pela primeira vez, as defesas antiaéreas replicaram na zona. "Mas ainda não existe uma frente. Tudo isto é muito banal, já vivemos mais tensão", afirmou Nazir Ibrahim, membro das forças de segurança de Kalak.
Desde domingo, as tropas americanas começaram a revelar uma maior actividade no Curdistão, região controlada por facções curdas desde 1991, com instituições autónomas mas sem um regime jurídico definido.
Aviões americanos aterraram já no Curdistão e as forças especiais são visíveis — um milhar de homens, segundo o PDK. Nas últimas 24 horas, os raides aéreos sobre as cidades de Kirkuk e Mosul intensificaram-se. As posições iraquianas ao longo da linha de demarcação entre o Iraque e o Curdistão foram atingidas pelos bombardeamentos.
Após a satisfação das primeiras horas que se seguiram ao início dos bombardeamentos, os curdos escondem mal a sua impaciência. "Não há actividade. Até ao momento, a frente norte está em ponto morto. É preciso que aconteçam coisas concretas. Tenho dúvidas" sobre a iminência de um ataque a partir da zona, declarou um responsável militar sob anonimato. "Tudo depende dos EUA e da Turquia. Os peshmergas estão em estado de alerta elevado e são capazes de reagir imediatamente. Mas já viram uma guerra sem tanques, sem mísseis, sem aviões e sem artilharia?", questionou a mesma fonte, referindo-se à ausência de equipamento militar suficiente no Curdistão.
Ao contrário, o responsável curdo pensa que "nos próximos dias" deverá realizar-se uma grande ofensiva contra a capital iraquiana. "Se Bagdad for ocupada, todo o país se renderá. A guerra terá acabado", considerou.
Os combatentes curdos estão apenas armados com kalachnikov e espingardas. Os curdos, uma minoria étnica presente no Iraque (e nos países vizinhos, nomeadamente na Turquia, Irão e Síria), controlam as três províncias Norte — As-Sulaymaniyah, Irbil e Dahuk — desde 1991, fazendo da região um enclave autónomo, com um parlamento e um governo regionais, mas sem verdadeiro estatuto jurídico.
Os curdos opõem-se à presença das tropas de Ancara e já alertaram que poderão deixar de combater as tropas iraquianas, ao lado da coligação aliada, e passar à acção contra os turcos, principalmente se estes se apresentarem sozinhos. Isto porque, afirmam, a presença de Ancara, é uma ameaça à sua integridade territorial.
Os curdos são apontados por alguns historiadores como sendo descendentes de tribos indo-europeias, que, nos séculos X a VIII a.C., habitavam a região montanhosa na confluência da Turquia, Irão, Iraque, Síria e Arménia.
Só com as invasões árabes é que os curdos abandonaram a religião dos persas e adoptaram o islão, de rito sunita, preservando a sua língua e cultura.
Curiosamente, Saddam Hussein diz-se herdeiro de Saladino, um herói curdo que mobilizou as forças muçulmanas contra os cristãos, derrotou o califado dos Famitidas e estabeleceu um império que incluía a Síria e uma parte da Arábia Ocidental, que durou até ao século XIII d.C.
Entretanto, a Human Rights Watch alertou para uma catástrofe humanitária no Curdistão. Hania Mufti, responsável para o Médio Oriente da organização de defesa dos direitos humanos, disse esperar "um fluxo de milhares de refugiados civis para a fronteira" entre o Irão e a Turquia.
Por seu lado, os curdos turcos vivem com receio de um conflito há duas décadas e temem que uma eventual entrada das tropas de Ancara no Curdistão iraquiano venha aumentar a possibilidade de uma insurreição separatista.
Os conflitos armados assolaram a região curda da Turquia (Sudeste) desde que a guerrilha do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) tomou armas contra o Estado em 1984, rebelião que durou até 1999, quando o seu líder, Abdullah Oçalan foi detido, depois de mais de 30 mil mortos, na sua maioria curdos.
Actualmente, os 25 milhões de curdos são perseguidos no Iraque e na Turquia, tendo muitos deles recorrido ao exílio.