All that Chicago!

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Martin Richards (à esq.) com o realizador Rob Marshall (à dta.) Reed Saxon/AP

É Hollywood a olhar para os seus tempos áureos, premiando o brilho reluzente das estrelas a cantar e a dançar (e pelos vistos também com grandes capacidades interpretativas já que Catherine Zeta-Jones arrancou o Óscar das mãos de consagradas como Julianne Moore e Meryl Streep). A versão cinematográfica do musical multi-premiado de Bob Fosse, realizada por Rob Marshall, é o primeiro musical a vencer os galardões da Academia de Hollywood nos últimos trinta anos.

Mas se a vitória arrebatadora de “Chicago” não foi uma (desenxabida) surpresa, o que ninguém esperava é que “Gangs de Nova Iorque”, o grande épico americano, fosse para casa de mãos a abanar. O filme de Scorsese, nomeado em dez categorias (melhor filme, melhor realizador, melhor actor, melhor argumento original, melhor fotografia, melhor montagem, melhor som, melhor direcção artística, melhor guarda-roupa, e melhor canção), não recebeu nenhum Óscar.

Mas a real surpresa da noite foi mesmo “O Pianista”, em que muito poucos acreditavam, que arrebatou três dos mais importantes galardões: melhor realizador, melhor actor e melhor argumento adaptado. Polanski não esteve presente na cerimónia no Kodak Theater, pois é um fugitivo à justiça americana, desde 1978, ano em que foi acusado da violação de uma menor (que já o perdoou oficialmente...). No entanto, se o realizador não teve direito aos seus 30 segundos de fama, houve quem agradecesse por ele. Ronald Harwood que ganhou o Óscar de melhor argumento adaptado por “O Pianista”, baseado nas memórias de Wladyslaw Szpilman, subiu ao palco e, ao receber a estatueta, afirmou que gostaria de dizer que a merecia, mas não o podia fazer. O argumentista dedicou o prémio ao realizador, Roman Polanski, afirmando que ele sim merece este Óscar, “por ser um óptimo realizador e um óptimo colega”.

Adrien Brody ficou também visivelmente surpreendido por ser distinguido com o Óscar de melhor actor, quando todas as previsões apontavam para Daniel Day-Lewis e o seu Bill the Butcher em “Gangs de Nova Iorque” ou Jack Nicholson e o seu papel da velhice, vide Warren Schmidt, um homem que procura desesperadamente dar um rumo à sua vida sem sentido nem faísca: depois de 42 anos de casamento, acabou de perder a mulher; depois de uma vida dedicada a uma companhia de seguros, está a reformar-se; e a única filha, Jeannie, está à beira de se casar com um idiota que vende colchões de água.

E para Pedro Almodóvar esta foi a noite da sua total consagração mundial. Ele já não é unicamente um dos cineastas mais aplaudidos e amados na Europa, tornou-se uma estrela no universo mundial. É o estalo de luva branca à Academia de Cinema Espanhola que não o nomeou para pré-candidato ao melhor filme estrangeiro, distinção que Almodóvar já conquistara com “Tudo sobre a minha Mãe”.

E o prémio de melhor actriz vai para... o nariz!

E o nariz de Nicole Kidman convenceu e conquistou o Óscar de melhor actriz, com o seu papel não consensual de Virginia Woolf em “As Horas”, a adaptação do premiado romance de Michael Cunningham. Kidman não se safou à piada do apresentador, Steve Martin, que gracejou que “As Horas” foi o primeiro filme em que a actriz usou o seu verdadeiro nariz — em todos os outros usou “um falso”! Ela bem tentou não chorar, ela bem tentou dizer algumas palavras a favor da paz, justificar-se de estar presente na cerimónia apesar de estar uma guerra a decorrer, mas acabou por, emocionada dedicar o Óscar à mãe, que ela sempre quis que se sentisse orgulhosa da sua filha, e à própria filha de quem está orgulhosa.

“Frida” e “O Senhor dos Anéis – As Duas Torres” empataram a dois Óscares cada um. O filme de Julie Taymor sobre a pintora mexicana Frida Khalo, ícone da pintura do século XX, comunista, companheira do muralista Diego Rivera, bissexual, amante de Trotsky, rosto e olhar carregados por sobrancelhas fartas e bigode, ganhou o Óscar de melhor caracterização e melhor guarda-roupa, mas deixou Salma Hayek, que tanto lutou para ter os direitos da história, a suspirar e a ter de contentar-se com a nomeação para melhor actriz. “O Senhor dos Anéis – As Duas Torres” — o segundo filme adaptado da trilogia de culto de J.R.R. Tolkien, que continua a aventura épica, na Terra Média, da Irmandade do Anel —, venceu em duas das categorias técnicas: melhores efeitos visuais e melhor montagem sonora.

Depois do Urso, o Óscar

E o primeiro Óscar da noite foi para a animação e para o consagrado Hayao Miyazaki. “A Viagem de Chihiro”, que venceu ex-aequo o Urso de Ouro na edição de 2002 do Festival de cinema de Berlim, ganhou o Óscar de melhor longa-metragem de animação.

Depois de "A Princesa Mononoke" (1997), “A Viagem de Chihiro” conta a história de uma menina de dez anos chamada Chihiro que descobre um mundo secreto cheio de monstros, espíritos estranhos e seres lendários.

“Caminho para a Perdição”, de Sam Mendes, foi outro dos perdedores. Apesar das suas cinco nomeações (melhor direcção artística, melhor actor secundário, melhor banda sonora, melhor som e melhor fotografia), só o trabalho de Conrad L. Hall foi distinguido. Esta é a décima nomeação de Conrad L. Hall, anteriormente nomeado, sempre na categoria de melhor fotografia, por “Beleza Americana” (1999), “A Qualquer Custo” (1998); “Searching for Bobby Fischer” (1993); “Intriga ao Amanhecer” (1988); “The Day of the Locust” (1975); Dois Homens e Um Destino (1969, vencedor); “In Cold Blood” (1967); The Professionals (1966); Morituri (1965).

Cerimónia sem glamour, mas com poucas referências à guerra

A guerra do Golfo alterou a cerimónia dos Óscares. Se no ano passado, a sombra das torres caídas e o espírito do pós 11 de Setembro assombrou a cerimónia, este ano o início da intervenção no Iraque roubou-lhe o glamour . Não houve passadeira vermelha, as imediações do Kodak Theater estavam pejadas de franco-atiradores e manifestantes anti e pró-Bush, e houve quem não comparecesse em sinal de protesto. Mas quem foi e quem venceu, aproveitou também a ocasião para se manifestar. Desde a evocação tímida (e loira) de Nicole Kidman, ao discurso comovido de Adrien Brody, que se afirmou mais sensibilizado para a situação depois de ter feito um filme como “O Pianista”, passando pelas piadas de Steven Martin, múltiplas foram as formas de fazer referência à guerra. Mas nenhuma tão demolidora como a de Michael Moore. Quem o conhece sabe que este membro da NRA (National Rifle Association) costuma andar armado. Não com armas a sério (ele é contra a sua utilização — basta ver o seu último documentário), mas faz das suas palavras um autêntico bombardeamento. Foi o único discurso que a orquestra calou, mas não sem antes Moore atirar a matar e dizer “Tenha vergonha, senhor Bush”. A par da vitória de Almodóvar, o Óscar de melhor documentário para “Bowling for Columbine” — um inquérito, devastador e cáustico, sobre o estado da nação, a cultura do medo e a psicose das armas nos Estados Unidos — foi um dos galardões mais saborosos da noite.

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