"A engenharia serve apenas para ocupar o tempo livre"
Na terceira jornada da SuperLiga, José Mota tinha Zé Manel lesionado decidiu que chegara a hora de lançar às feras um ala-direito que poucos meses antes tinha descoberto na Sanjoananse, da II B. Renato Queirós, um estudante de engenharia civil de 25 anos, foi um dos melhores na goleada (4-0) sobre os "leões" e mais recentemente tem sido decisivo na retoma dos pacenses, contribuíndo com um golo para a eliminação do Setúbal na Taça de Portugal e com dois na vitória fora sobre o Guimarães. Queirós é mais um jogador nascido para o futebol no Amarante e já leva cinco golos marcados, juntando-se assim ao excelente lote de extremos direitos que Portugal tem produzido nos últimos anos. RENATO QUEIRÓS - Não conseguíamos concretizar as oportunidades de golo, embora a equipa tivesse a mesma qualidade e o mesmo futebol. É o factor aleatório do futebol, o factor que lhe dá tanta beleza. Agora estamos com a felicidade que nos faltou noutras alturas. Ganhámos moral e confiança. Isto é importante, numa SuperLiga muito competitiva em que se vai lutar até ao último momento pela Europa e pela manutenção. Só o título parece estar entregue.As suas últimas exibições também têm sido destacadas. Já pensou numa transferência para um clube com outras ambições?É o meu primeiro ano na SuperLiga e só penso em ajudar o Paços, com quem assinei por um ano mais outro de opção. Mas obviamente todos os jogadores querem jogar em clubes com outras ambições e eu adorava. Mas para que isso aconteça tenho de trabalhar ainda mais. Sente que tem qualidade para jogar num grande?Tenho, mas sou eu a dizer [risos]. Não estava à espera de nada do que me está a acontecer. Foi tudo muito rápido. Ainda na época passada estava na II B.Como é que surgiu esta oportunidade?Tive sorte e comecei a jogar. Se não tivesse surgido o José Mota tudo isto me teria passado ao lado. Repare que ele apostou em mim logo na terceira jornada frente ao Sporting. Foi a minha estreia e logo frente ao campeão. Foi uma atitude louvável que não está ao alcance de qualquer treinador. Está-lhe grato?Claro. Fazem falta mais treinadores como ele no futebol português. Gosta de praticar bom futebol, sabe cativar e dar confiança aos jogadores. Mas nem todos são assim. Sem ser modesto posso-lhe dizer que na Sanjoanense havia jogadores com mais talento que eu que infelizmente nunca vão ter possibilidade de jogar na SuperLiga. É uma questão de sorte. Os dirigentes deveriam reflectir sobre isto, porque ajudaria em boa parte a superar a crise financeira. É pena que não se olhe para esses jogadores.Joga preferencialmente com o pé direito...Gosto muito do "pé direito" de jogadores como o João Pinto, Rui Costa e Simão Sabrosa. Mas estou satisfeito com o meu.Quais são as suas virtudes e defeitos?Remato bem com os dois pés e tenho alguma técnica. Também marco alguns golos de cabeça. Os defeitos? Para lhos descrever ocupava-lhe o jornal todo [risos].Está a estudar engenharia civil e a jogar futebol profissional. Qual é a sua verdadeira paixão?O futebol, claro. A engenharia serve apenas para ocupar o tempo livre. Não é muito fácil conciliar as duas coisas. Estudo à noite e a maior parte das vezes estou demasiado cansado para ir às aulas. O treinador felizmente concede-me dispensa sempre que pode. Mas com as exigências do futebol profissional não é fácil.Quando terminar a carreira como jogador...Vou procurar trabalhar em engenharia. Não quero ser treinador de futebol. É uma tarefa complicada e ingrata. Nunca abandonei os estudos porque sabia que se não saísse da II B teria dificuldades em assegurar o meu futuro. Sou oriundo de uma família muito humilde e tinha de me agarrar a alguma coisa.Parece que muitas vezes o facto de ser estudante universitário também lhe custa algumas críticas....Quando as coisas correm mal, os portugueses têm de encontrar desculpas para tudo. Ou é dos carros, ou é porque é famoso ou oriundo de famílias ricas. Como não tenho nada disso atiram-me com o facto de estar na faculdade. Dizem, por exemplo, "olha este quer é ser engenheiro e não se aplica, está aqui só para ganhar dinheiro". Acontece com directores e com adeptos. É triste, mas procuro que me passe ao lado. Os jogadores de futebol ganham muito dinheiro. Já realizou os seus sonhos, como ter bons carros?Não é o meu caso, ganho pouquinho. Venho de uma família humilde e eu sou modesto. O meu carro é um Clio comercial e não penso mudar. Tenho outras prioridades, como pagar o meu apartamento no Porto. Só quero estabilidade, ir o mais longe possível no futebol e acabar o meu curso. Mas o meu grande sonho é um dia vestir a camisola das quinas. A Selecção é o meu verdadeiro sonho.É mais um jogador oriundo de Amarante. Como explica que dessa cidade tenham saído tantos jogadores? Há muito jovens e uma aposta forte na formação, como acontece no Amarante FC. É uma cidade pequena, mas que adora o futebol, por isso saíram de lá jogadores como o Nuno Gomes, Ricardo Carvalho ou o Delfim. E poderia haver mais, mas muitos apostaram nos cursos universitários ou não tiveram oportunidade de se mostrarem.