Os sonhos luminosos de João Magueijo
Albert Einstein teve um sonho com vacas quando era adolescente, que influenciou a sua teoria da relatividade. Quanto a João Magueijo, teve uma ideia sobre a luz num dia de chuva, ao atravessar um relvado do St. John's College, em Cambridge, Inglaterra. A curar uma ressaca, o físico teórico debatia-se com um dos mistérios sobre o início do Universo que a teoria do Big Bang não consegue resolver, o chamado "problema do horizonte da luz". "De repente, parei e os meus murmúrios tornaram-se mais altos. E se, no início do Universo, a própria luz viajou mais depressa? Quantos daqueles mistérios essa possibilidade resolverá? E a que preço para as nossas ideias da física?", conta João Magueijo, que trabalha agora no Imperial College, em Londres, no livro de divulgação científica "Faster than the Speed of Light -The Story of a Scientific Speculation". "Tal como a chuva, esses pensamentos caíram do céu abruptamente e sem aviso, mas percebi imediatamente que essa possibilidade resolveria o problema do horizonte da luz." Logo percebeu também as implicações dessa ideia tão simples e bela. "Envolvia algo que para um cientista treinado se aproxima da loucura. Desafia talvez a regra mais fundamental da física moderna: que a velocidade da luz é constante."De facto, quebra um dos pilares sagrados da física actual, a constância da velocidade da luz, postulada por Einstein, em 1905, na teoria da relatividade restrita: a luz, no vácuo, viaja sempre a 300 mil quilómetros por segundo e não há nada mais rápido. É um limite universal. E o problema do horizonte da luz prende-se com a finitude da velocidade da luz. A luz que se observa de um objecto celeste a dez mil milhões de anos-luz da Terra demorou esses anos na viagem. Por causa da finitude da luz, quando se olha para os primórdios do cosmos olha-se para o passado. Uma coisa é certa, porém: no instante em que recebe a imagem desse objecto, ele já não está assim, talvez já nem exista. Há, assim, um limite ou horizonte para o que se consegue ver - uma parte visível do Universo (a luz que chega num dado momento e traz informação) e uma parte invisível (a velocidade limitada da luz impede o conhecimento instantâneo de uma região longínqua). Como as partículas de luz, ou fotões, são a coisa mais rápida, são elas que estabelecem algum grau de uniformidade na temperatura e na densidade da massa do Universo. Mas como também levam algum tempo a viajar de um ponto a outro, o problema do horizonte significa outra coisa: que houve regiões sem contacto físico nas primeiras fracções de segundo do Universo. Isto introduz um paradoxo na teoria do Big Bang, que diz que o espaço e o tempo tiveram início num grande estrondo, há 15 mil milhões de anos, e que desde então o Universo tem estado em expansão: se não estiveram em contacto, como é que o Universo primordial era tão uniforme (e, por isso, ainda o é agora, em grandes escalas)? O Universo é homogéneo, porque as galáxias, ilhas de matéria, espalham-se por todo o lado. Ao mesmo tempo, não é absolutamente homogéneo, porque a matéria está concentrada em galáxias, estrelas... e outras partes estão vazias. O Universo primordial teria de ter algumas irregularidades na concentração de massa, que evoluíssem para as ilhas de matéria, devido ao poder de atracção da gravidade. Se tivesse sido rigorosamente homogéneo, a matéria não se atrairia até aparecerem as galáxias.Para pôr todas as partes do Universo em contacto nos primeiros instantes, João Magueijo pensa que bastará juntar 64 zeros à actual velocidade da luz. Não só eliminaria um dos problemas da teoria do Big Bang, como seria uma alternativa à teoria da inflação, que pretende resolver essa questão. Nesta teoria propõe-se que, nos primórdios, o Universo passou por uma fase de expansão muito rápida, e assim toda a matéria entrou em contacto físico. Esta alternativa não satisfaz os cosmólogos, porque até agora não se encontraram provas convincentes. Só que não se arranjou outra melhor. Mas João Magueijo tenta ainda resolver outros problemas da teoria do Big Bang, através da sua proposta, que apelidou de teoria da velocidade da luz variável. Procura fazê-lo com humor e é assim que, para expor a teoria da relatividade restrita, por exemplo, relata um sonho do adolescente Einstein. Um sonho bovino: nele, Einstein vê vacas a pastar num campo rodeado por uma cerca eléctrica. Mas a cerca não dá choques, porque a bateria está descarregada, até o agricultor chegar para a substituir. Então, Einstein vê as vacas a saltarem ao mesmo tempo; o agricultor vê as vacas a saltar uma de cada vez. Volta e meia, Magueijo socorre-se dos préstimos das vacas - em especial a Cornélia. É que este sonho bovino serve para introduzir a constância da velocidade da luz e a relatividade do tempo (como o mesmo acontecimento não aconteceu ao mesmo tempo para diferentes observadores) e do espaço.