Biografia de Snu Abecassis editada pela primeira vez em Portugal
A biografia que a mãe de Snu Abecassis fez seis anos depois da morte da filha em Camarate, a 4 de Dezembro de 1980, vai finalmente ser editada pela Quetzal, com um prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa. Este relato escrito por Jytte Bonnier, já editado em sueco, deverá estar nas livrarias a 16 de Fevereiro e é "o livro choque" da editora para 2003, cujas novidades foram ontem apresentadas, juntamente com as da Bertrand, no Grémio Literário, em Lisboa.Quando morreu em Camarate, juntamente com Francisco Sá Carneiro e mais cinco pessoas - uma tragédia que ainda hoje não se sabe se foi uma queda acidental de avião ou um atentado -, Snu era companheira do primeiro-ministro, e a sua "união de facto heterossexual", como lhe chama Marcelo Rebelo de Sousa no livro, foi polémica na sociedade da época. O termo, importado de hoje, serve exactamente para o ex-líder do PSD mostrar como o Portugal dos anos 70 não sabia, pura e simplesmente, o que fazer com eles. Sá Carneiro era casado, com filhos, e líder do PSD, um partido de centro-direita. Snu, com três filhos, pedira o divórcio depois de se apaixonar por ele."Hoje, Snu, tal como Francisco Sá Carneiro, é, cada qual à sua maneira, património de todos nós", escreve Marcelo Rebelo de Sousa, acrescentando que "22 anos depois já é possível encarar com distanciamento muitas atitudes públicas daquelas pessoas e daquelas instituições que zurziram as suas vidas e separaram as suas mortes". Sobre a sua contribuição para a história contemporânea portuguesa, ela faz-se a vários títulos, explica ao PÚBLICO Rebelo de Sousa, sendo fundamental o seu trabalho como editora da D. Quixote, onde destaca a coragem necessária - "sendo uma mulher estrangeira nos anos 60 em Portugal" - para publicar livros políticos durante a ditadura, "contribuindo à sua maneira para a democracia portuguesa". Depois do 25 de Abril, recorda o pluralismo necessário para editar os três principais dirigentes políticos: Mário Soares, Francisco Sá Carneiro e Álvaro Cunhal. "Em 1976 era difícil uma pessoa dar-se com os três ao mesmo tempo e Snu nunca foi influenciada pelas suas opções afectivas."O livro, intitulado "Snu" e com 107 páginas, afirma a editora Zita Seabra, "não tem nada de polémico". Mas a biografia da fundadora e proprietária da D. Quixote faz perguntas como esta: Sá Carneiro teria conseguido ser primeiro-ministro sem Snu? A mãe diz que "durante os anos juntos 'no poder'" ela foi "uma verdadeira rainha regente". "Sim", concorda Rebelo de Sousa, "acho que ela tinha uma grande influência no Francisco Sá Carneiro". Snu essencial entre 1976 e 1980Sá Carneiro não ia a cerimónias protocolares em Belém, lembra Rebelo de Sousa, porque o Presidente da República de então, Ramalho Eanes, evocava a mulher e o seu mal-estar para não receber Snu no palácio."Snu" é um depoimento biográfico de uma mãe sobre uma filha. "Ela faz o percurso da vida da filha desde o tempo em que tiveram de fugir de casa na Dinamarca, por causa da II Guerra Mundial, até Camarate. É muito um depoimento de uma mãe nórdica", diz Zita Seabra, lembrando que Snu era uma mulher muito bonita.Rebelo de Sousa esclarece, no prefácio, que Snu deu a Sá Carneiro "um cosmopolitismo que, notoriamente, lhe faltava". "Sá Carneiro tinha muito poucos contactos internacionais antes de conhecer Snu. Aí, fazia uma grande diferença de Mário Soares."Na D. João V, a casa de Snu para onde Sá Carneiro se mudou, reunia-se, entre 1978-79, o governo-sombra do PPD - "às vezes, Snu assistia". E Rebelo de Sousa faz uma pergunta semelhante à de Bonnier: qual foi o seu verdadeiro papel na carreira do primeiro chefe de Governo de centro-direita após o 25 de Abril de 1974?O autor do prefácio fala das qualidades de Sá Carneiro, do papel da primeira mulher, Isabel ("antes e durante aquele terrível ano de 1975"), e conclui: "Mas é também a verdade que nos obriga a testemunhar como Snu foi essencial entre 1976 e 1980 [...]. Porque conhecer e amar Snu foi, de facto, um desafio galvanizante para o indomável líder do centro da direita portuguesa."A surpresa da filha de SnuEntre os jornalistas presentes ontem na apresentação do livro estava, inesperadamente, Rebeca Abecassis, a filha mais nova do casamento de Snu com Vasco Abecassis, apanhada de surpresa pelo lançamento.A filha, editora de política internacional da SIC e da SIC Notícias, tinha nove anos quando a mãe morreu e a avó dedica-lhe o arranque do epílogo, onde justifica por que escreve uma mãe sobre a sua filha morta: "Ela tinha três filhos. A mais nova viu o desastre na televisão. Foram encontrá-la de pé, dentro de um roupeiro. Tinha nove anos. Só agora, com 15 anos, começou a falar da mãe, a lembrar-se dela. Só agora consegue recordar-se, só agora o quer fazer." Rebeca Abecassis diz que "o livro tem muitas coisas interessantes dentro" e que a avó, hoje com 90 anos, o escreveu "porque a filha morreu daquela maneira e a minha avó vivia longe". O livro termina a dizer que "o acidente nunca ficou esclarecido", mas Rebeca Abecassis sublinha que a família não está ligada a qualquer inquérito. "Para nós acabou." E, continua, isso não significa que não tenha uma opinião pessoal: "Acho que foi atentado." A jornalista (como a avó), que viveu com Snu e Sá Carneiro, diz que recorda "a mãe como uma mulher que queria fazer qualquer coisa por Portugal". "O amor que sentiam um pelo outro ainda aumentou mais a vontade que a minha mãe tinha de cumprir essa missão."Rebelo de Sousa saúda a publicação desta biografia - "a ausência de biografias é um dos buracos da nossa cultura - e lembra que "falta ainda uma grande biografia sobre Francisco Sá Carneiro". "Camarate é um grande trauma nacional. A vida dos dois, injustamente, é sempre reconduzida àquela tragédia final."