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Gangsters no divã

Aliás, o título original joga também com essa ideia de sequência: de "Analyze This" (1999), passa-se a "Analyze That", mantendo o duo triunfador, Robert De Niro, a fazer de si próprio, e Billy Cristal numa cristalização brilhante da sua "persona" cinematográfica.

Até aqui, tudo bem. O problema começa quando analisamos as razões do sucesso do original que apostava na surpresa de fazer do que resta do "filme de gangsters", como género, uma comédia descabelada. Ora, isso é irrepetível. A gargalhada pronta perante o tom inesperado torna-se, de forma irremediável, em reconhecimento algo monótono de uma receita prolongada para além do seu prazo de validade.

E, no entanto, continuam a persistir elementos de interesse nesta comédia esforçadamente à procura de novidades: se o filme se constrói de "gags" colados sem a seminal coesão do original, consegue ainda momentos de esplendor. O melhor de tudo acaba por ser o início, em que De Niro revitaliza o seu sacrossanto Paul Vitti com hilariantes interpretações de canções de "West Side Story", de "Tonight" a um projectado "Gee Officer Krupke", fazendo das sequências na prisão um espantoso musical falhado. O actor macaqueia "sem voz" os mecanismos da integração das canções num contexto outro: preso e ameaçado de morte por uma das famílias mafiosas, no momento em que está prestes a ser libertado finge a insanidade e consegue ser posto à guarda do seu psiquiatra. O "show" musical faz parte desse plano que ilude a dor e força Billy Cristal a assumir a responsabilidade da sua custódia, no preciso momento em que tem que enfrentar o freudiano "ódio ao pai", que acaba de morrer.

Igualmente impagáveis são as cenas em que De Niro se exibe nu e se imiscui na vida da família judaica de Cristal, com rimas óbvias com o mundo conceptual de Woody Allen.

A realização de Harold Ramis, um dos mais talentosos realizadores da comédia "mainstream" de Hollywood, responsável por "O Dia da Marmota" (1993) ou pelo artificioso "Multiplicity", é inteligente. Ramis filma bem o espaço da prisão como ambiente concentracionário e o da casa nos subúrbios como subtil prolongamento desse mundo enlouquecido.

O processo de reabilitação do mafioso, com a oposição feroz da mulher do psiquiatra (saborosa composição de Lisa Kudrow) arrasta-se por episódios de manutenção do clima criado, mas arranca de novo quando surge uma nova excelente ideia de argumento: fazer com que De Niro funcione enquanto consultor de uma série televisiva (o sucesso de "Os Sopranos" não será estranho à paródia), com o sintomático título de "Little Caesar", um dos paradigmas do género na década de 30. Tudo fora preparado ainda nas sequências da prisão, quando os reclusos vêem um episódio, com o parecer negativo de Vitti. O confronto do "gangster" verdadeiro com o boneco televisivo, criado por um actor australiano, fornece ao filme um novo alento e liga-se com o momento forte de acção, mesmo que não original, do novo golpe de ataque a um carro de transporte de dinheiro, preparado no "trailer" da produção.

Entretanto, surge outro dos incontornáveis motivos de atracção deste "pastiche" de "pastiche": a voz rouca e a presença "sexy" de Cathy Moriarty (lembram-se da loira Vicky LaMotta de "Touro Enraivecido"?) numa "madrinha" da Mafia, dando réplica condigna às estrelas masculinas. Só para a ver epitomizar as loiras gélidas do passado, ou para nos divertirmos com a rábula de Anthony LaPaglia, no "gangster" da televisão, que imita De Niro, já se justificaria a visão desta sequela.

No entanto, sem a química (que se repete) da impensável dupla De Niro/Cristal não haveria filme. E nesta coisa de receitas bem executadas e de excelentes actores a comandarem as operações, Hollywood continua imbatível.

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