Coreia do Norte abandona tratado nuclear
O regime norte-coreano anunciou ontem que vai abandonar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), assinado em 1985, devido à "política hostil" dos Estados Unidos. Num momento em que as perspectivas de diálogo estavam a gerar algum optimismo, Pyongyang eleva aquilo a que se tem chamado de "chantagem nuclear".Numa rara conferência de imprensa, o embaixador norte-coreano junto das Nações Unidas, Pak Gil-yon, afirmou que a decisão anunciada horas antes pela agência oficial KCNA é "um produto da política hostil dos EUA face à Coreia do Norte", mas que "todos os problemas podem ser resolvidos pacificamente pela negociação". "Tudo depende dos Estados Unidos", declarou várias vezes.No encontro com os jornalistas, o embaixador avisou ainda que qualquer tentativa do Conselho de Segurança (CS) da ONU para impor sanções à Coreia do Norte será vista como uma declaração de guerra, e que a resposta a tal medida "dependerá das circunstâncias". Pak acusou a Administração americana de não ser sincera quando propõe um diálogo, e também não poupou a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), que diz ser "um porta-voz dos EUA". O embaixador justificou a retirada do Tratado, "que está a ser usado como um instrumento para aplicar a política hostil americana", como uma "medida de autodefesa" e uma resposta ao "comportamento irrazoável" da AIEA.Apesar das duras declarações, o presidente da AIEA tentou acalmar os ânimos. "Ainda há uma oportunidade para a diplomacia", disse Mohamed El Baradei. "Exorto a Coreia do Norte a voltar atrás na sua decisão para procurar uma solução diplomática". Se isso não acontecer muito em breve, o caso passará para o Conselho de Segurança já na próxima semana, adiantou ontem o presidente em exercício do CS, o francês Jean-Marc de la Sablière. A retirada do TNP - criado em 1970 para impedir a aquisição de armas nucleares, garantindo acesso dos 187 signatários a utilizações pacíficas de energia atómica sob o controlo da AIEA - foi recebida com apreensão. Mas sem surpresa, pelo menos para os EUA. "De certa forma, o facto de eles já terem reconhecido que violaram o tratado parece indicar que não o respeitaram, mesmo que o tenham assinado", comentou o porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer. "O anúncio de hoje é mais um passo na abordagem de confronto" de Pyongyang, disse por sua vez o porta-voz do secretário de estado, Richard Boucher.Numa conversa telefónica com o Presidente chinês, Jiang Zemin, o Presidente George W. Bush sublinhou que "os EUA não têm intenções hostis para com a Coreia do Norte, e procuram uma solução pacífica multilateral aos problemas criados pelas iniciativas da Coreia do Norte", citou o porta-voz. Jiang terá dito a Bush que a China - o mais forte aliado de Pyongyang, e um dos muito poucos - não concorda com a decisão norte-coreana e que estava pronta para tentar trabalhar numa solução pacífica para a questão.O embaixador de Pyongyang assegurou que o programa não se destina a criar armas nucleares. Pelo contrário, tem exclusivamente "fins pacíficos", como a produção de electricidade, que se tornou indispensável depois de as autoridades americanas suspenderem o envio de combustível à Coreia do Norte, como consequência do anúncio da reactivação da central de Yongbyon. Mas quando um jornalista perguntou se o regime tem armamento atómico (os EUA acreditam que sim), Pak não confirmou, mas também não desmentiu.Ao mesmo tempo que anunciava o fim da sua participação no TNP, Pyongyang enviou dois diplomatas para conversações informais com o democrata Bill Richardson, antigo embaixador norte-americano na ONU e actual governador do Novo México, com longa experiência de negociações com Pyongyang. O encontro com o embaixador-adjunto na ONU, Han Song Ryol, e o primeiro secretário Mun Jong-Chol, o segundo em dois dias, "decorreu bem", declarou Richardson à imprensa, sem adiantar pormenores.Entretanto, a Coreia do Sul, que tem tentado mediar a crise entre Pyongyang e Washington, afirmou ao país vizinho que esta é "uma questão de vida ou morte", que apenas será resolvida pelo diálogo. A Rússia e o Japão, cujo primeiro-ministro está em Moscovo, emitiram um comunicado conjunto exprimindo o seu "desapontamento e profunda preocupação" com a decisão norte-coreana.