Campanha contra a excisão feminina lançada no Parlamento Europeu
Combativa e apaixonada foi a declaração da ministra dos Assuntos Familiares e do Desenvolvimento Social da Somalilândia, "país que nem sequer é reconhecido pela comunidade internacional". "Prendemos as nossas crianças e mutilamo-las. Mutilamo-las em nome de uma tradição que alguém meteu na cabeça que tinha de ser praticada e que não tem quaisquer benefícios materiais, morais, religiosos e humanos", declarou Edna Adan Ismail.
No dia em que se comemora o 54º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos de 1948, várias mulheres que combatem a MGF em todo o mundo resolveram encontrar-se de novo para trocar ideias e apresentar os resultados da sua luta. "Pretendemos focar este dia nos direitos das mulheres, não porque sejam diferentes mas porque são um aspecto importante dos direitos humanos", começou por dizer Emma Bonino, eurodeputada e responsável pela organização da conferência de dois dias - hoje e amanhã - sobre o tema, que vai decorrer no Parlamento Europeu.
Realçando que "este não é o único problema que afecta as mulheres", a presidente do Partido Radical italiano criticou a abordagem que vê a MGF como "um problema africano" e que defende, consequentemente, "soluções africanas". "Estamos a falar de direitos das mulheres. Este problema não tem limitação geográfica nem fronteiras, devendo preocupar todas as pessoas", sustentou.
Além disso, corroborou Daniela Colombo, presidente da organização não governamental italiana Aidos, a MGF começa, com a imigração, a alastrar-se aos países europeus e "as sanções existentes na Europa não são muito eficazes".
A campanha "STOP FGM [na sigla em inglês]", apresentada hoje no PE e lançada em simultâneo em vários países, juntou três organizações muito diferentes num objectivo comum. A Aidos, a internacional No Peace Without Justice e a associação de mulheres ligadas aos média tanzanianos Tamwa uniram-se para lançar um apelo contra a MGF, promovendo uma conferência sobre o tema e redigindo um manifesto que pode ser assinado na Internet (em www.stopfgm.org).
Numa plateia em que os homens se contavam pelos dedos de uma mão e em que África está grandemente representada, as activistas falaram a uma só voz: "A MGF não tem lugar na sociedade actual e no espaço dos direitos humanos". "Não fazemos esta conferência para benefício das agências de viagens ou para encher os hotéis, mas para desenvolvermos uma estratégia para abolir a MGF. Temos de o fazer", sublinhou Edna Adan Ismail. "Não é um problema de África, é também o vosso problema. Os vossos hospitais estão cheios de mulheres e crianças africanas que sofrem consequências da MGF", alertou.
A Ananilea Nkya, directora da Tamwa, coube exortar o papel dos órgaos de comunicação social na divulgação deste tipo de práticas e das iniciativas realizadas para as combater. "Os média são o poder e têm de defender o respeito pelos direitos humanos" e têm que fazer entender às mulheres que vivem nas comunidades onde estes rituais iniciáticos estão enraizados que são práticas maléficas. Com a informação, consegue-se a educação, defendeu, precisando que a comunicação social deve juntar-se à comunidade no combate à MGF.
"O silêncio só alimenta estes ataques contra a dignidade humana", acrescentou Mame Bassine B. Niang, ministra-comissária para os Direitos Humanos senegalesa, lembrando que o analfabetismo é uma realidade em África e que as políticas de informação e educação, bem como os média, têm de ter isso em conta.
Conhecedora da realidade da excisão feminina, Ananilea Nkya indicou ainda que é a mentalidade dos mais velhos e dos homens, que controlam as sociedades, que tem de ser mudada, para que, em seguida, as mães possam optar por evitar que as filhas sejam submetidas a este tipo de práticas.
Por seu lado, a secretária-geral do Conselho Nacional para a Infância e Maternidade egípcio defendeu que o acento tónico deve ser colocado nas crianças e na insistência de que a MGF viola os seus direitos fundamentais, "porque muitas vezes, os violadores são as próprias mães e os próprios pais". Preconizando uma abordagem sócio-cultural do fenómeno - já que ele não é muito importante, mas "tudo tem de começar por ser um movimento nacional, que mude os comportamentos e os sistemas de valores".
Fizeram longas viagens para se deslocarem ao "coração da Europa" e falarem das suas experiências africanas. A luta destas mulheres não começou hoje, no Parlamento Europeu. Tem muitos anos e vai crescendo. Optimistas, estas "mulheres de armas" que ousaram enfrentar as tradições dos seus países, deram um prazo de vida à MGF: cinco anos. São os que são precisos para erradicar a prática, garantem, com a ajuda de todos e de cada um.