As jóias da coroa roubadas correram um risco desnecessário
As 15 jóias da coroa emprestadas por Portugal à exposição itinerante "Diamante: da Pedra Bruta à Jóia" eram demasiado extraordinárias para o âmbito de uma mostra de carácter didáctico. É a opinião de especialistas que Portugal optou por uma representação desnecessariamente acima da média da dos restantes países participantes - não por acaso eram portuguesas as peças mais valiosas exibidas no Museon Haia, de onde seis (as mais importantes) foram roubadas na madrugada de segunda-feira num assalto que levaria, no total, 50 peças de vários países e coleccionadores privados."É como ir ao cinema vestida para uma noite na ópera", diz Raquel Henriques da Silva, professora do departamento de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, depois de vários anos à frente do Instituto Português de Museus (IPM). Que acrescenta: "Os tesouros nacionais devem sair do país só em situações completamente excepcionais. Não fecho a porta à saída. Mas tem que ser muito rigorosamente avaliado o que ganhamos e o que corremos o risco de perder. Eu teria mandado peças menos espectaculares."Como muitas vezes acontece ao optar-se pela circulação internacional de peças de carácter excepcional, estava em risco a perda de um património de valor monetário inestimável e peso histórico insubstituível.A compensação é a visibilidade do país e da sua cultura, e a criação de redes de ligações com museus de novos países. No caso concreto de "Diamante: da Pedra Bruta à Jóia", a opinião dos especialistas ouvidos pelo PÚBLICO ao longo desta semana é que o hipotético retorno não justificava o investimento. Pelos seus objectivos pedagógicos (sobre o diamante, desde a recolha até à integração numa jóia), a exposição em causa secundarizava a contextualização histórica das jóias exibidas. Isso faz com que seja classificada como uma iniciativa secundária num ranking internacional de exposições.Além disso, em alguns momentos da sua itinerância, previa a apresentação em instituições que também não estão no topo da hierarquia museológica.O Museon Haia, que sofreu o assalto - e que é um museu municipal e não nacional, como erradamente tem vindo a ser categorizado - era a sétima paragem de um périplo intercontinental que a exposição começou há seis anos nos Estados Unidos.A mostra passou pelo Canadá, Itália e França, entre outros. Foi precisamente em Paris que, há dois anos, Raquel Henriques da Silva a visitou, no Jardim das Plantas. Simonetta Luz Afonso, conservadora e responsável pelo Museu da Assembleia da República, e comissária de várias mostras nacionais, viu a exposição este ano, em Roma, Itália. "Para as jóias, como para qualquer obra de arte, tem que se medir os prós e os contras para ver se vale a pena, se as peças ficam ou não diluídas no contexto geral. Achei que [a exposição] não era especialmente relevante e que se podia ter pedido mais visibilidade para o país." Um espaço como o Museon Haia, diz, "não é o sítio mais seguro do mundo para este tipo de peças, deste valor, e nesta quantidade".Vocacionado para a apresentação de exposições didácticas, o museu holandês terá reforçado para a ocasião da exposição o seu esquema de segurança habitual. Isso, explica Simonetta Luz Afonso, pode criar "zonas cinzentas", vulneráveis, entre o sistema de segurança habitual e o reforço.Autorizar ou não: é a questãoSegundo Manuel Oleiro, actual director do Instituto Português dos Museus, é imperativo categorizar hierarquicamente os bens móveis nacionais. "Deveria definir-se claramente quais são os tesouros nacionais e a sua saída deveria obedecer a um regime bastante restrictivo. Devemos caminhar nesse sentido. Há um conjunto de bens que devem ser mais resguardados [do que têm sido até agora]. Devem ser visíveis em Portugal, mas não viajarem tanto."Para que qualquer bem móvel dos acervos de um museu nacional saia do país, o pedido pode ter que passar por vários organismos distintos.No caso das jóias da coroa portuguesa, sob a tutela do Museu do Palácio Nacional da Ajuda, um pedido de empréstimo passa primeiro pela direcção desse museu - neste caso Isabel Silveira Godinho. Assinado nesta primeira fase, o pedido segue para o Instituto Português de Museus, depois para o IPM e, por fim, normalmente, para o Ministério da Cultura. Mas o percurso é, regularmente, uma formalidade.Ouvida há dois pelo PÚBLICO sobre estas questões, a directora Isabel Silveira Godinho disse que está a pensar alterar a política de empréstimos, mas que só discutirá os pormenores depois de regressar da Holanda.