O pequenino e esquisito Steve Buscemi
Se ainda não aprenderam a pronunciar Buscemi correctamente (diz-se Bussemi), a culpa é vossa. Porque Steve Buscemi não tem sido propriamente discreto. Peguem num punhado de reputados filmes do circuito independente americano dos últimos anos e comparem com a filmografia do actor: uma boa parte há-de coincidir. É certo que nunca lhe cabe o papel principal (seja lá o que isso for, no cinema independente), mas é impossível não dar por ele: é sempre a presença mais nervosa. Ferrara, Tarantino, Altman, Jarmusch, os Coen - Buscemi já trabalhou com todos e, nalguns casos, mais do que uma vez. Que há com ele, para que tantos autores o requisitem? Os elencos podem mudar, mas ele fica. Talvez porque leva muito a sério a sua propensão (vocação?) para interpretar "losers". Mas isso, só por si, não explica tudo. Em "Fargo", interpreta Carl Showalter, um inepto assassino a soldo que acabará por ser a mais sacrificada de todas as personagens: é espancado, leva um tiro na cara e há-de terminar num triturador de lenha... E quando Frances McDormand tenta seguir as pistas que a possam conduzir aos criminosos, as testemunhas não conseguem lembrar-se de mais nada, a não ser que ele "era pequenino, com um ar esquisito". Que Buscemi seja caracterizado como um "funny looking guy" é uma típica piscadela de olhos dos Coen. Até porque os próprios têm jogado com a aparência física do actor como efeito cómico, conferindo-lhe o estatuto de "side-kick" de figuras bem mais imponentes, como Peter Stormare em "Fargo", numa espécie de delirante reabilitação de Bucha e Estica.Não têm faltado descrições, inspiradas e detalhadas, de Buscemi na imprensa, quase sempre pouco abonatórias. Aliás, o próprio terá escolhido a sua favorita, em que era apontado como "o equivalente, no cinema, ao 'junk mail'". Mas talvez haja um fundo de verdade na piada dos Coen: sem nunca fazer da sua presença uma imposição, na rectaguarda de outros actores, Buscemi torna-se quase sempre memorável. Façam o teste: se não obtiverem reacção ao mencionar-lhe o nome, tentem descrevê-lo como o tipo "pequenino, de ar esquisito". Resultados garantidos.Nada que incomode o actor. "Gosto de interpretar personagens bizarras", diz. "Não me vejo como um tipo normal". Nascido em Brooklyn, Nova Iorque, em 1957, teve o seu verdadeiro "tour de force" quando Tarantino lhe deu o papel de Mr. Pink em "Cães Danados" (1992). Parecia talhado para ser um dos primeiros do "gang" a cair e, afinal, há-de ser o único sobrevivente. Mas por essa altura, já tinha morrido duas vezes às mãos dos Coen. Alguém notou que ele é sempre eliminado em todos os filmes dos Coen onde trabalhou (num total de cinco, desde "Histórias de Gangsters", em 1990), à excepção de "O Grande Salto" (1994), e que os seus restos se vão tornando sucessivamente mais reduzidos... Basta lembrar que depois de "Fargo", ressurgiu em "O Grande Lebowski" (outro dos títulos da Colecção Y, que aparecerá em breve), onde as suas cinzas são lançadas sobre o mar (e sobre Jeff Bridges e John Goodman...). Em todo o caso, e apesar de mais uma vez não ser poupado, Buscemi emerge aqui envolvido por um olhar mais afectuoso por parte dos Coen: companheiro de "bowling" de Bridges e Goodman, é um vulnerável e taciturno "naïve", alvo das constantes invectivas do veterano do Vietname interpretado por Goodman. É essa melancolia que mais tem transparecido nos últimos papéis de Buscemi, nomeadamente em "Ghost World" (2001), de Terry Zwigoff, onde era um solitário coleccionador de vinis. Longe da verborreia a alta velocidade cultivada em Tarantino ou "Fargo", mas sempre, sempre "loser". Nem quando se estreou na realização, com "Trees Lounge" (1996), se desviou dessa linha: rodado no seu bairro, centrava-se num bar pleno de figuras excêntricas - com Buscemi no papel principal, evidentemente. "Loser", pois, mas os "indies" americanos não seriam a mesma coisa sem ele...