Braga, um "penico" a transbordar
Os gauleses da aldeia de Astérix só tinham um medo: que o céu lhes caísse em cima. Em Braga, cidade popularmente conhecida como o "penico" desse mesmo céu, os invernos chuvosos há muito que tinham arrastado esse medo sarjeta abaixo mas, nos últimos anos, estas deixaram de funcionar. Resultado: ainda o Outono não se despediu, e já muitos "bracaros" se afligem a salvar os carros nas garagens inundadas, ou travam a fundo antes de entrar nos túneis, novos e já sem fôlego para tragar tanta água. São folhas, senhor, diz a Câmara a cada bátega, tentando justificar os bueiros entupidos. As árvores da cidade têm costas largas, mas os mesmos que lhes abusam do silêncio para as transformar no bode expiatório da questão vêm agora admitir que é necessário reforçar a capacidade das condutas de águas pluviais, dando razão aos críticos que apontam "todos os dedos" ao excesso de construção, com a consequente impermeabilização dos solos.A urbanização do Vale de Lamaçães foi um bom negócio para os promotores imobiliários que conseguiram vender os apartamentos, mas também para os negociantes de material de bombagem de água. Em 280 hectares de terreno húmido e fértil, metade dos prédios recorrem a estes dispositivos para desafogar a mágoa de terem sido edificados sobre as linhas de água que mesmo o vedor mais desqualificado conseguiria perceber no local. O sinal mais visível das consequências está nas "garagens", muitas delas enterradas a uma cota inferior à do rio Este, onde a humidade e a água disputam o espaço com os carros. As coisas pioram quando o betão se aproxima do leito de cheia do Este, um ribeiro que só por descuido pode ser considerado insignificante. É certo que no Verão um frigorífico velho quase consegue travar o curso da água, mas no Inverno a sua força afirma-se, aterradora. É que o mesmo rio que na variante do Fojo não é mais do que um estreito canal, agiganta-se à medida que entra na cidade, alimentado pela chuva e por toda a água não absorvida pelo solo, impermeabilizado pela sucessão de novas construções. As cheias são tão frequentes como antigamente. As consequências agora é que são outras.Desde a zona da Bracalândia, passando pela das Piscinas da Rodovia - cujos novos prédios, de varandas sobre o leito, estão a ser protegidos por muros - seguindo pela zona conhecida como dos "Galos" onde há dois meses uma casa teve de ser evacuada, até Santa Tecla, onde o muro de suporte das margens ruiu, como noticiamos anteontem, quase não há espaço que não tenha experimentado o desconforto de um rio descontrolado. Para não ir mais a jusante, basta recordar que no primeiro temporal, a 18 de Setembro, foram 25 os automóveis afogados pela chuva em quatro edifícios localizados no lugar de Santa Justa.Em Braga, a água parece não ter muitos sítios por onde desaparecer. Daí que em dias de chuva a própria rodovia se assemelhe a um outro rio, que alaga e fecha ao trânsito os túneis, de construção. E se é verdade que os antigos carochas até conseguiam imitar Cristo e andar sobre a água, os novos bólidos não demonstram essa capacidade. Recentemente os olhares voltaram-se para a praça da central de camionagem, que se transformou num lago natural, para enfado dos taxistas, que usam toda a largura do passeio para não molharem os tornozelos aos clientes que vão apanhar o autocarro. Depois de anos a ver a paisagem, a Agere - Empresa de Águas, Efluentes e Resíduos de Braga, anunciou finalmente obras de "remodelação" do actual sistema de drenagem desta praça. E entretanto, em vez de contratar cata-folhas para acabar com as bacias de água que se formam a cada aguaceiro, o seu administrador já admite que estas só serão eliminadas com o reforço das condutas e sistemas de bombagem nas vias que marginam o rio Este. Ilibadas da culpa, as árvores agradecem.