"Depressão não é uma doença"
"A depressão não é uma doença" e não existem medicamentos com uma acção antidepressiva. A afirmação controversa - no mínimo - pertence a Carlos Lopes Pires, psicólogo e membro da Unidade de Investigação e Intervenção em Psicologia (UNIIPSI). O clínico vai mais longe. No seu livro, subordinado à desmistificação de crenças ligadas à depressão, psicofármacos e seus efeitos, refere estudos científicos que estabelecem uma ligação directa entre o aumento do número de suicídios e a prescrição de antidepressivos.Carlos Pires considera que "o antidepressivo dá a energia e a benzodiapezina [o chamado "ansiolítico"] dá a calma para cometer [o suicídio]", referindo-se aos "cocktails" farmacológicos tantas vezes prescritos.Na página 90 pode ler-se que, entre 1985 e 1992, "só o Prozac poderá ter sido responsável por 1436 tentativas de suicídio", segundo um estudo da agência norte-americana Centro de Liberdade de Informação para a Avaliação e Pesquisa de Drogas. Acrescenta-se que aquele é o antidepressivo mais vendido de sempre. A Eli Lilly and Co., produtora do Prozac, revela que cerca de 35 milhões de pessoas em todo o mundo já o terão tomado. As mortes associadas ao mesmo são na ordem das 1300. Mas o mesmo princípio activo - a fluoxetina - é comercializado por outros laboratórios internacionais, pelo que é impossível saber os verdadeiros números do consumo mundial. "Poderemos mesmo dizer que, em grande medida, muitos profissionais (entre os quais, os médicos psiquiatras) são vítimas de um sistema farmacêutico muito bem montado." O psicólogo fala da falta de formação suficiente de alguns colegas e da "grande indiferença por parte de certos profissionais". As críticas não ficam por aqui. Com base num estudo de John Bregging, o autor de "A depressão não é uma doença" afirma que "a quase totalidade de investigação biopsiquiátrica é feita com o patrocínio dos fabricantes de fármacos. E muita gente questiona as consequências deste tipo de associação. Assim, considera, "os psiquiatras tornaram-se meros intermediários". "Nunca é ensaiado o que acontece depois", só a actuação do antidepressivo, explicou o psicólogo ao PÚBLICO. "Não é possível mexer num só neurotransmissor", como a serotonina (responsável pelos níveis de felicidade), pelo que as ditas "reacções adversas" podem ser imprevisíveis. Acresce que um estudo realizado em 1998 por Kirsh e Sapirstein, envolvendo 2318 pessoas e diversos tipos de medicação, "veio revelar que os antidepressivos são em grande parte meros placebos activos [agem clinicamente apenas porque o paciente acredita que são eficazes] e mostra que 70 por cento do efeito terapêutico destas drogas é placebo". Mais: no início de um tratamento, o sucesso dos antidepressivos é 65 por cento, caindo para 34 por cento após um período de seis a doze meses.Se não é uma doença, o que é a depressão? O também professor de cadeiras como psicofisiologia ou psicopatologia, no Instituto Superior de Línguas e Administração (ISLA), aponta como problema a crença numa existência de causas biológicas para a desordem. Mas, de facto, nenhum estudo científico fundamenta esta hipótese. "É a mais sugestionável das doenças" considera Carlos Lopes Pires.Uma "depressão é uma desordem". O psicólogo continua: "A depressão é, pois, um modo de se relacionar com a vida." Acontece quando, perante certos acontecimentos, "a pessoa se sente literalmente afundada". Carlos Lopes Pires critica o facto de qualquer desprazer ser considerado depressão. A depressão pode acontecer "num determinado momento" em que "tudo corre mal". Os seus efeitos, sim, podem ser ser biológicos. "A ideia de que a depressão é uma doença resulta, em parte, de uma confusão quanto ao encadeamento destes acontecimentos. Mas estar triste não é uma molécula."Para o professor, o tratamento daquele distúrbio deve passar antes de mais por terapias psicológicas, que duram normalmente cerca de um mês, não se justificando o "recurso a fármacos com primeira escolha terapêutica"."Se algo se torna doença no processo farmacológico da depressão é o desenvolvimento de uma dependência física e psicológica decorrentes das drogas usadas nesse mesmo tratamento", considera no seu livro. "Se acontecer, e acontece com muita frequência, o antidepressivo originar mania ou hipomania, é natural que o psiquiatra ache que a pessoa afinal tinha uma desordem bipolar escondida, agora despoletada pelo fármaco. O resultado é a instalação de uma verdadeira doença bioquímica devida aos efeitos tóxicos destas substâncias."