Demissão nos Sapadores do Porto provocada por ordem de Rui Rio

A recente demissão do comandante do Batalhão de Sapadores Bombeiros (BSB) do Porto, Morais Ferreira, não teve, afinal, como única causa o facto de terem sido retiradas àquele responsável as despesas de representação que lhe haviam sido atribuídas em 2000, por decisão da Assembleia Municipal. O caso tem alimentado algumas conversas nos corredores da Câmara do Porto, dando conta de um desaguisado entre o ex-comandante e o presidente da autarquia, Rui Rio, envolvendo um pedido de junta médica para avaliar o estado de saúde de um funcionário que se encontrava de baixa psiquiátrica.Segundo a versão dos factos a que o PÚBLICO teve acesso, tudo começou com a transferência compulsiva para o BSB de um funcionário dos serviços de Urbanismo, o qual terá apresentado uma baixa psiquiátrica poucos dias depois de ter sido consumada a mudança. O facto terá levado Rui Rio a pedir a Morais Ferreira que ordenasse a realização de uma junta médica, tendo o ex-comandante recebido posteriormente instruções escritas do vereador dos Recursos Humanos, Paulo Cutileiro, no sentido de fundamentar o pedido na ausência de sintomas de doença por parte daquele funcionário e no decreto-lei 100/99, artigo 36º - o qual prevê o recurso à junta médica quando o funcionário "tenha atingido o limite de 60 dias consecutivos de falta por doença" ou quando haja "indícios" de "comportamento fraudulento". Morais Ferreira terá, porém, recusado obedecer à ordem da vereação, alegando que conhecia o funcionário em causa há poucos dias, não conhecendo do seu passado laboral algo que lhe permitisse avaliar o seu estado de saúde ou presumir sobre uma eventual fraude. Posteriormente pressionado, o comandante apresentou a demissão."Não violaria a minha consciência"Ontem, contactado pelo PÚBLICO, o ex-comandante confirmou esta versão dos factos, reconhecendo que ficou agastado com a situação. "O motivo da minha demissão tem a ver com o facto de me terem retirado as despesas de representação, mas este episódio foi a gota de água que fez transbordar o copo", disse Morais Ferreira, acrescentando que, naquelas circunstâncias, obedecer ao presidente e ao vereador poderia levá-lo a incorrer numa acção susceptível de acção criminal por parte do médico que atestou a doença do funcionário transferido para o BSB. De resto, o ex-comandante garante que não lhe foi pedido segredo relativamente a estes factos, não os tendo referido na altura da sua demissão por entender que "este episódio não deixaria as instituições bem colocadas". "Mas nunca violaria a minha consciência para cumprir uma ordem do presidente", concluiu.Instado pelo PÚBLICO a comentar estes factos, o vereador Paulo Cutileiro confirma, em comunicado, que, "no âmbito da política de combate às baixas fraudulentas, os Recursos Humanos solicitaram ao comandante dos bombeiros (...) que fosse requerida uma junta médica a um funcionário entretanto destacado para os bombeiros". E acrescenta que "o referido funcionário, tendo sempre gozado de boa saúde, teria, segundo atestado médico do foro psiquiátrico, ficado doente previsivelmente por 30 dias".O texto diz, ainda, que "é mentira que o presidente da câmara alguma vez tenha imposto ao ex-comandante a tomada de qualquer atitude que contrariasse a sua vontade" e sustenta que a demissão teve a ver com "o corte, por imposição legal, das despesas de representação, tal como ele próprio [o ex-comandante] referiu publicamente na altura do afastamento". Recorde-se que Morais Ferreira apresentou a sua demissão na passada semana, invocando a retirada, por parte da autarquia, das despesas de representação a que tinha direito desde 2000. Na altura, Paulo Cutileiro argumentou que aquela decisão tinha a ver com o novo regime jurídico dos bombeiros municipais, invocando em sua defesa um parecer favorável da Inspecção Geral da Administração Pública. O ex-comandante alega, porém, que o vereador não tem competências para revogar uma decisão da assembleia municipal, embora admita a possibilidade de, legalmente, não ter direito àquela regalia. "Não tenho a certeza se os meus argumentos são válidos, mas não recebi nenhuma resposta do vereador e mesmo o parecer do IGAP não é peremptório, uma vez que eu exercia funções dirigentes, pelo que o assunto é remetido para os ministérios das Cidades e da Administração Interna", diz Morais Ferreira.A junta médica ao funcionário que tinha sido colocado, compulsivamente, no Batalhão de Sapadores Bombeiros foi realizada ontem, às 15h00. Segundo o PÚBLICO apurou, os três médicos que integravam a junta confirmaram as razões que tinham dado suporte à declaração de baixa psiquiátrica e entenderam mesmo que havia lugar ao seu prolongamento no tempo."Nunca violaria a minha consciência para cumprir uma ordem do presidente"Morais FerreiraEx-comandante do Batalhão de Sapadores Bombeiros

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