Fraudes científicas levam revistas a desacreditar artigos dos Laboratórios Bell
As últimas edições das revistas científicas "Nature" e "Science" optaram por excluir os artigos resultantes da investigação conduzida por Jan Hendrik Schon, físico na área de nanotecnologia ao serviço dos Laboratórios Bell, na sequência dos resultados incriminatórios da comissão independente de investigação que analisou as suspeitas de fraude levantadas por cientistas face às incríveis descobertas no campo dos semicondutores protagonizadas por este físico.A comissão independente - liderada por Malcolm Beasley, engenheiro electrotécnico na Universidade de Stanford, na Califórnia, Estados Unidos - considerou que Schon "mostrou uma completa desconsideração pelo carácter sagrado dos dados no sistema de valores da ciência", acusando-o de falsificação ou fabricação de dados em 16 dos 24 casos de que era acusado.Os resultados extraordinários dos trabalhos de Schon relacionavam-se com a utilização de cristais feitos a partir de matéria orgânica (com carbono) como semicondutores para fazer transístores (funcionam como interruptores, isto é, passam a corrente eléctrica em certas circunstâncias). Esta descoberta era vista por muitos como a maneira de combater os constrangimentos de tamanho impostos por tecnologias baseadas no silício, uma vez que os cristais orgânicos eram mais leves e mais flexíveis. Schon chegou mesmo a apresentar resultados de miniaturização dos cristais orgânicos que culminaram com a realização de um transístor com apenas uma molécula orgânica. Era o primeiro investigador a fazer interruptores à escala atómico-molecular.Além destas descobertas inéditas, Schon destacava-se pela produtividade - nos seis anos seguintes ao seu doutoramento produziu cerca de cem artigos e reclamou várias patentes.As suspeitas começaram a ser levantadas não só porque vários investigadores não conseguiam reproduzir os resultados, como por um grupo de cientistas que informou, em Março, os Laboratórios Bell da duplicação de um gráfico em diferentes artigos. Isto levou os laboratórios a criar uma comissão de investigação independente para averiguar a validade das suspeitas sobre os trabalhos de Schon.As conclusões do inquérito levantam sérias preocupações na comunidade científica, concretamente no que toca a meios de controlo e detecção de fraudes em investigações científicas."Este caso teve bastante impacto, porque envolveu tecnologias de ponta. A nanotecnologia vai revolucionar a tecnologia e não sai prejudicada com isto", comentou Carlos Fiolhais, da Sociedade Portuguesa de Física."A física é um caso extremo, mas sintomático, de que a ciência se autocorrige e se autovalida. É como se existisse um tribunal sempre instalado", afirmou Carlos Fiolhais.Não é comum a existência de fraudes nesta área da ciência. Contudo, o aparecimento de dois casos nos últimos tempos veio levantar dúvidas quanto aos sistemas de controlo e detecção de erros existentes. Além dos Laboratórios Bell, o Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, na Califórnia, também se viu envolvido numa polémica semelhante, quando um dos seus investigadores, Victor Ninov, afirmou ter descoberto o elemento mais pesado da tabela periódica, o elemento 118. Quando cientistas independentes não conseguiram reproduzir esse resultado e foi instaurada uma comissão de inquérito, as conclusões desapontaram a comunidade científica, por não se ter confirmado o trabalho, nem se ter procedido a uma recolha de dados conveniente.Para Carlos Fiolhais, a perda de credibilidade do investigador é o castigo mais severo que pode aplicar-se. Isto porque a credibilidade é "muito difícil de conquistar e muito fácil de perder." A questão que a todos incomoda é a da classificação da conduta dos co-autores dos artigos. No caso dos Laboratórios Bell, Bertram Batlogg, cujo nome aparece na maior parte dos artigos de Schon, não foi responsabilizado. A comissão de inquérito apenas frisou a máxima de Carl Sagan - "afirmações extraordinárias têm de ter provas extraordinárias" -, advertindo Batlogg e futuros co-autores de que esta ideia deverá estar sempre presente na validação de um trabalho científico.