Agustina, a amarantina
Almada? "Não, nunca tinha vindo aqui. O que sei de cor é o célebre dito: 'Alma até Almada'." Agustina Bessa-Luís chegou à nova loja Fnac, faltavam cinco minutos para a uma da tarde. "É o primeiro lançamento. Não quis, nem é meu costume, chegar a desoras."Entre os seguranças encorpanzados e altos que a rodeiam, sente-se pequena. Tímida, lança um primeiro olhar pelo fórum. Há pouca gente. Senta-se a uma mesa e conversa com o PÚBLICO. Retoma a conversa sobre o outro lado do Tejo: "Nem vim à inauguração do Cristo-Rei, que nunca visitei, era ainda muito criança. Nem à da ponte. Veio a minha filha Mónica", confessa.Um dia, numa carta a José Régio aquando da morte da mãe do autor de "Poemas de Deus e do Diabo", a romancista escrevia que não gostava de multidões nas sessões de autógrafos. "Agora, já não, as pessoas também evoluem, não?". Ri-se. Os olhos, verdes, brilham.Luís Miguel Castro, o gráfico de "O Livro de Agustina Bessa-Luís - A lei do Grupo", aproxima-se. "Finalmente, chegámos ao fim." "Quero dar-lhe os parabéns, está muito bonito", contrapõe a escritora. O artista exclama: "Os textos é que são bons mas fizemos uma coisa simpática." Em cena entra o ministro da Cultura, Pedro Roseta: "Posso interromper um minuto? Vim cá só para lhe dar um beijinho. Tenho um almoço, sabe...". Agustina mantém-se sentada e agradece. "Espero que continue a escrever muitos livros e mais uma vez obrigado por ter ido à Liber, em Barcelona."Com dez minutos de atraso, a sessão começa. Manuel Fonseca, pela Três Sinais Editores, lembra as aventuras, "pão-pão-queijo-queijo" que a editora manteve com Agustina. O prefácio para "Cântico dos Cânticos", o magnífico ensaio para "As Meninas", de Paula Rego, e agora o livro de Agustina. "Ainda hoje fico espantado com a disponibilidade com que a Dona Agustina recebeu estes três estarolas", diz o editor. Depois, abre o jogo. Quando fomos a casa da romancista, conta, "abrimos gavetas", viram fotos, tocaram objectos, divertiram-se imenso. "Mas acho que quem se divertiu ainda mais foi a Dona Agustina que atrás de nós, com um sorriso irónico, ia abrindo, outra gaveta, outras portas." No ar, Manuel Fonseca deixou uma pergunta: "Como é que uma mulher do Porto tem como patrono Stº António?"Quando chegou sua vez, Agustina foi parca em palavras sobre a obra. Voltou a destacar o aspecto gráfico. "O livro está aí. São memórias instantâneas, coisas que estavam escondidas." A seguir justificou o subtítulo - a lei do grupo. "As pessoas unem-se entre elas e é isso que permite que as pessoas vivam." Esta lei voltou à baila, quando alguém da assistência quis saber como é que Agustina se sentia: uma escritora do Norte ou de Portugal? Nem uma coisa nem outra. Claro que é de Portugal e do Norte ("é engraçado, sempre tive a tentação de vir para Lisboa, nem que fosse pelo clima", diz entre uma sonora gargalhada), mas sente-se, sobretudo, "amarantina". Explica: "Sinto que faço parte de uma tribo que se instalou no vale de Amarante e que falava por metáforas, com palavras próprias."O fórum não está cheio. Há pessoas que passam, sem reconhecer a escritora, outras que a ficam a ouvir durante algum tempo. Depois de uma questão sobre as suas várias incursões autobiográficas, volta à questão de Stº António. Tem a tirada do lançamento: "Não podemos imaginar um auditório com 30 mil pessoas para ouvi-lo como hoje acontece com os cantores rock que, como ele, também têm seguranças." A gargalhada é geral. Ela ri-se.Ao lançamento, dos seus colegas de ofício só a escritora Isabel da Nóbrega fez questão de ir até Almada: "Desde 'A Síbila' que sou uma leitora compulsiva dos seus livros.". Ao seu lado, o empresário Silvério Manatas, "de passagem pelo fórum", espera pelo autógrafo da romancista, "de quem não gosta especialmente". "Mas tenho uma licenciatura em literatura portuguesa e interesso-me por estas coisas." Bem diferente é o caso do professor de Português, Carlos Gaspar. Chegou ao meio-dia, já teve que dar detrás e para a frente "A Sibila". Porém, de todos os livros de Agustina elege "Os Meninos de Oiro", com Sá Carneiro em pano de fundo.Um filão - ficcional ou biográfico - a que Agustina não atribui uma importância muito diferente sobre os outros livros que escreveu: "É uma oportunidade de ter um tema para escrever e aí o ficcionista está muito mais à vontade do que o investigador." Daquele que se falou mais foi do Marquês de Pombal (ed. Imprensa Nacional - Casa da Moeda). Agustina rematou: "Não gosto de ditadores mesmo quando são esclarecidos. O marquês tinha um grande carácter. Mas, infelizmente, tem aquilo que nós não gostamos. Um alemão disse-me um dia - 'Quando algum português se levanta cortam-lhe logo a cabeça'."