"Temos de compreender os mecanismos que bloqueiam a regeneração do sistema nervoso"
Fernando Lopes da Silva acabou o curso de Medicina na Universidade de Lisboa, em 1959, com média de 19 valores, mas a prática clínica não o seduzia. Queria fazer investigação. Mas a falta de condições para investigar em Portugal e a Guerra Colonial levaram-no até terras holandesas, onde se instalou há 37 anos. É investigador na área das neurociências na Universidade de Ultrecht e desde 1995 dirige o Instituto de Epilepsia Meer en Bosch, em Heemstede.P - O que o levou a sair de Portugal em 1962?R - Quando entrei para a faculdade já pensava que haveria de ir para o estrangeiro fazer investigação. Por outro lado, naquela altura - 1961/62 - começou a Guerra Colonial. Tinha ficado livre da tropa devido à miopia, mas começaram a recrutar jovens médicos, recém-formados, e havia a hipótese de me chamarem. Por princípio era contra a Guerra Colonial. Já tinha pensado em sair de Portugal, o que acelerou o processo. Nem esperei pela bolsa. Mas depois não podia voltar a Portugal, porque se o fizesse seria preso. P - Hoje um jovem, com as mesmas aspirações que tinha na altura, tem condições para fazer investigação em Portugal?R - Tem condições muito superiores aquelas que nós tinhamos, nem tem comparação. Houve uma enorme melhoria, hoje há imensas bolsas como as da Fundação Gulbenkian, mas essencialmente as da Fundação para a Ciência e Tecnologia e alguns laboratórios onde se pode fazer investigação...Houve um processo de desenvolvimento acentuado, sobretudo no tempo do ministro da Ciência e da Tecnologia, José Mariano Gago. Depois a evolução abrandou e agora há uma grande indefinição. Não se sabe se vão continuar os subsídios comunitários nem qual vai ser a prioridade que este Governo vai dar à investigação. Há uma série de indefinições que estão a deixar as pessoas ansiosas quanto ao futuro. P - Em 1995, foi nomeado director do Instituto de Epilepsia Meer en Bosch, em Heemstede. Há novas possibilidades de tratamento para os epilépticos?R - Nos últimos anos, registou-se uma evolução muito acentuada relativamente à cirurgia cerebral, que já se fazia mas de uma forma muito aleatória. Agora é possível determinar as zonas do cérebro afectadas com muito maior precisão. As novas técnicas que permitem obter imagens do cérebro - como a ressonância magnética - foram extraordinariamente importantes. Neste momento estamos a investigar a possibilidade de antecipar a ocorrência de um ataque epiléptico. Procuramos descobrir se há alterações nos padrões de actividade cerebral antes do ataque. Se for possível detectar padrões específicos, poderiamos usar métodos de estimulação do cérebro para evitar a actividade epiléptica, que depois gera as alterações do comportamento. Esta é uma área de investigação ainda embrionária mas que tem grandes possibilidades de aplicação prática. P - O que está a investigar actualmente?R - Além dos métodos para tentar prevenir a epilepsia, estou a tentar descobrir as alterações no sistema nervoso que levam ao surgimento da epilepsia em certas pessoas. Fazemos isto utilizando ratinhos como modelos genéticos da epilepsia.Temos trabalhado também na actividade do córtex e nos circuitos do cérebro necessários para a memória. Parece estranho, mas isto também está relacionado com a epilepsia porque os focos epilépticos aparecem muitas vezes em zonas importantes para a memória. Estes circuitos são importantes para o funcionamento das funções cognitivas, como a memória, mas se forem alterados podem conduzir a perturbações, como ataques epilépticos.P - Quais são os grandes desafios das neurociências neste novo século?R - Há dois desafios muito importantes. Um é compreender as funções cognitivas como a atenção, a memória, a vontade, a decisão, e até a consciência. Estamos a dar os primeiros passos usando novas técnicas, não só com imagens da estrutura do cérebro, mas também com imagens do cérebro em funcionamento. O outro desafio é procurar compreender quais são os motivos que levam às doenças degenerativas do sistema nervoso central, como as demências, as doenças de Alzheimer e de Parkinson, a esclerose em placas e a própria epilepsia - doenças que ocorrem no sistema nervoso central e que se relacionam com processos que ainda conhecemos muito mal. É importante perceber a regeneração do sistema nervoso, ou seja, por que é que quando as células nervosas são destruídas é muito difícil voltar a ter células que preenchem esse lugar. Nos animais mais inferiores a regeneração é possível mas, nos mamíferos é muito, muito difícil. Temos de compreender quais os mecanismos biológicos que bloqueiam a regeneração do sistema nervoso. P - Depois do 25 de Abril, esteve para regressar quando o neurologista português radicado nos EUA António Damásio tentou entusiasmá-lo para em conjunto organizarem um departamento de Neurociências na Universidade Nova de Lisboa. Por que não voltou?R - Um ministro da altura pediu a António Damásio para avançar com o projecto e ele contactou-me. Chegámos a apresentar o plano, mas já a outro ministro, que nos disse que o orçamento que estávamos a propôr correspondia ao orçamento de toda a universidade. Por isso o projecto ficou por ali. P - Põe a possibilidade de voltar a Portugal?Venho com muita regularidade a Portugal, vou continuar a vir... Mas tenho os meus filhos e os meus netos na Holanda.