Novas provas da existência de um buraco negro monstruoso no centro da Via Láctea (actualização)

O enorme devorador de matéria e energia que se esconde no coração da nossa galáxia terá algo como 2,6 milhões de vezes a massa do Sol.

Há físicos que contestam a existência dos buracos negros, mas têm surgido cada vez mais provas circunstanciais da existência de grandes objectos invisíveis, cuja gravidade afecta a matéria à volta. A força gravítica destes objectos muito densos, em que a matéria está incrivelmente concentrada, é tal que absorvem tudo o que está à volta e nem sequer emitem luz - daí o nome que receberam. Porém, os candidatos à classificação de buracos negros não são totalmente negros, pois emitem raios X e sinais rádio de forma muito intensa.

No caso do buraco negro supermaciço no centro da Via Láctea, como é que os cientistas provaram a sua presença? Já que não podiam vê-lo, seguiram a órbita de uma estrela - chamada S2 - que anda à volta do candidato a buraco negro, com o nome Sagitário A.

Fizeram-no durante dez anos, em telescópios como o New Technology Telescope (NTT), no Monte La Silla, no Chile, e o Keck, no Havai. Estes telescópios revelaram que no centro da galáxia se concentra um objecto com cerca de três milhões de vezes a massa do Sol, num raio de apenas dez dias-luz (a distância que a luz, que viaja a quase 300 mil quilómetros por segundo, demora a percorrer aquela região).

Mas foi no Very Large Telescope (VLT), no Monte Paranal, também no Chile, que os cientistas obtiveram uma série de imagens únicas da estrela que seguiam havia anos. Apanharam-na, no início deste ano, a aproximar-se do buraco negro. Ficou a uma distância de apenas 17 horas-luz dele, o que equivale somente a três vezes a distância do planeta Plutão do Sol.

A estrela, que viajava a cinco mil quilómetros por segundo, completa uma volta ao buraco negro em 15 anos. Por isso, falta pouco para que os cientistas tenham observações de uma órbita completa. Mesmo antes disso, o trabalho na "Nature" já descreve a primeira observação de uma órbita quase completa de uma estrela à volta do buraco negro no centro galáctico.

Os buracos negros que se pensa existirem no coração das galáxias são muito mais densos do que os outros, que resultam do colapso sobre si próprios de uma estrela maciça. Neste último caso, trata-se da morte de uma estrela. Os buracos negros no meio das galáxias são supermaciços, pois têm mais de um milhão de vezes a massa do Sol. Há quem pense que poderão ter sido formados quando o Universo era bastante mais jovem, a partir do colapso de gigantescas nuvens de gases ou de aglomerados de milhões de estrelas.

"Não podíamos acreditar nos nossos olhos"

Além dos buracos negros não serem fáceis de detectar, também é difícil observar o centro das galáxias, porque os gases e as poeiras dificultam essa tarefa. Mas a instalação de uma câmara de óptica adaptativa no VLT, no final do ano passado, e que se chama NACO, possibilitou que se diferenciassem melhor milhares de estrelas no centro da galáxia, que está a 26 mil anos-luz da Terra e tem uma extensão de um ano-luz.


A óptica adaptativa, uma tecnologia relativamente nova, corrige as distorções causadas pela atmosfera na luz recebida nos telescópios terrestres: depois de serem medidas as distorções na luz, são enviados sinais electrónicos para um espelho deformável, que muda rapidamente de forma para corrigir essas distorções.

"Quando incluímos na nossa análise os últimos dados da NACO, em Maio deste ano, não podíamos acreditar nos nossos olhos. A estrela S2, que é uma das que actualmente estão mais próximas do Sagitário A, tinha acabado de fazer uma passagem perto da fonte de rádio. De repente, percebemos que estávamos a testemunhar o movimento de uma estrela em órbita do buraco negro central, fazendo uma aproximação incrível do objecto misterioso", diz um dos membros da equipa, Thomas Ott, do Instituto de Física Extraterrestre Max-Planck, perto de Munique, na Alemanha.

"Nenhum acontecimento como este tinha sido registado antes. Estes dados únicos mostram sem ambiguidade que a S2 orbita o Sagitário A, tal como a Terra orbita o Sol", refere um comunicado de imprensa do Observatório Europeu do Sul (ESO), que detém os telescópios NTT e VLT. "Agora, somos capazes de demonstrar, com segurança, que o Sagitário A é a massa negra central que sabíamos existir", afirma o principal autor do artigo, Rainer Schödel, também do Instituto de Física Extraterrestre Max-Planck.

Embora a massa do sugador de matéria da nossa galáxia ainda não esteja bem determinada, os cientistas fizeram agora uma estimativa melhor, dizendo que terá cerca de 2,6 milhões de vezes a massa do Sol. Também permitem excluir que aquela massa toda no meio da galáxia seja um aglomerado de estrelas de neutrões (outro produto resultante da morte de uma estrela também maciça, mas menos do que aquelas que darão origem a buracos negros) ou buracos negros estelares.

"A densidade da matéria inferida pela equipa de Schödel a partir da órbita da estrela é inconsistente com a presença de estrelas de neutrões ou outros objectos mais exóticos. A única explicação convincente é a de que existe um buraco negro supermaciço escondido ali", frisa Karl Gebhardt, da Universidade do Texas, num comentário a este trabalho também publicado na "Nature". "Estes resultados são a melhor prova de que os buracos negros não são apenas teoria, mas um facto."

Pela sua parte, Alvio Renzini, do ESO, sublinha que este trabalho não terá implicações apenas na Via Láctea: "Torna ainda mais provável a classificação como buracos negros supermaciços a enorme concentração de massa negra no centro de muitas outras galáxias."

Se estas criaturas vorazes vivem mesmo no seio das galáxias, os cientistas terão agora que descobrir como se formam e por que razão quase todas as grandes galáxias têm um monstro negro escondido lá dentro.

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