Os genes de um verme estão por trás do Nobel da Medicina de 2002
Um verme modesto, chamado "Caenorhabditis elegans", é a estrela que está por trás da distinção dos três cientistas que este ano ganharam o Prémio Nobel da Medicina. Os britânicos Sydney Brenner e John Sulston, a par do norte-americano Robert Horvitz, foram pioneiros do estudo desta minúscula criaturinha, que se tornou um dos modelos experimentais preferidos dos cientistas. Através dela foi possível identificar mecanismos genéticos que controlam a divisão celular e, por isso, determinam o desenvolvimento dos órgãos no embrião e a destruição programada das células. O seu trabalho é importante para compreender várias doenças, entre as quais o cancro.O corpo humano é constituído por centenas de tipos de células diferentes, todas elas descendentes do ovo formado quando um ovócito é fertilizado por um espermatozóide. Mas as células são tudo menos eternas: num ser humano adulto, morrem diariamente um bilião de células e são produzidas de novo outras tantas. Se algo corre mal, pode surgir um tumor, porque as células defeituosas, em vez de se auto-destruirem, continuam a dividir-se e a proliferar. E, para que um embrião se desenvolva correctamente, também é preciso que algumas células morram: por exemplo, as que formam as membranas interdigitais que os fetos humanos desenvolvem no útero e que desaparecem antes do parto.Para estudar este delicado equilíbrio, os cientistas precisavam de um organismo que pudesse servir de modelo, uma vez que não é aceitável fazer todo o tipo de experiências em seres humanos. Como a evolução costuma conservar os mecanismos genéticos fundamentais, isso significa que tanto seres complexos, como o homem, como seres elementares, como este minúsculo verme com cerca de um milímetro de comprimento, têm grandes probabilidades de terem genes semelhantes. No início da década de 60, Sydney Brenner escolheu o nemátodo "Caenorhabditis elegans" como modelo, porque é um animal multicelular (longe da complexidade dos mamíferos) mas minúsculo e com uma vida curta, reproduzindo-se frequentemente. À facilidade de obter muitas gerações de animais em pouco tempo, juntava-se o facto de ser transparente - o que facilitava as observações ao microscópio.Brenner, que nasceu a 13 de Janeiro de 1927, na África do Sul e tem nacionalidade britânica, foi o primeiro a identificar mutações genéticas que causavam alterações no desenvolvimento nos órgãos. Identificou a molécula ARN mensageiro- que transmite as instruções escritas em ADN, no núcleo celular, para o citoplasma da célula, onde as instruções genéticas são transformadas em proteínas.Brenner, que trabalha no Instituto de Ciências Moleculares em Berkeley, na Califórnia (EUA), é muitas vezes citado como um dos pais da ideia de sequenciar o genoma humano - embora ele renegue esse título. "[Não sou] nem sequer a mãe. A ideia de fazer o genoma surgiu a muitas pessoas ao mesmo tempo. Quem deve ser considerado o 'pai' do genoma é Walter Gilbert [cientista norte-americano que partilhou o Nobel da Química de 1980 com Paul Berg]", disse ao PÚBLICO no ano passado, quando participou numa iniciativa do Porto Capital da Cultura (ver "A evolução e o funcionamento do cérebro são os desafios da biologia", PÚBLICO de 20/03/01). Já este ano, foi publicado o genoma do primeiro peixe - o "Fugu rubripes" -, no qual Brenner esteve também envolvido. O cientista estará em Lisboa, para a semana, para participar numa conferência sobre a globalização, que decorre na Fundação Calouste Gulbenkian. Caminhos semelhantes trilhou o também britânico John Sulston, nascido a 27 de Março de 1942. Deu continuidade ao trabalho de Brenner, na Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde actualmente é director do Centro Sanger, um dos pólos de coordenação da sequenciação do genoma humano. Mas, antes de se ter dedicado aos genes do homem, Sulston estudou o verme. E descobriu que algumas das suas células têm de morrer, durante o desenvolvimento, através do processo da morte celular programada. É assim que as 1090 células geradas acabam por se transformar nas 959 que compõem um indivíduo adulto (hermafrodita).Sulston tornou-se internacionalmente conhecido graças ao projecto internacional de sequenciação do genoma humano e também porque mantém uma certa animosidade para com Craig Venter, o cientista norte-americano que, ao leme da empresa Celera, elaborou em tempo recorde uma versão alternativa do genoma humano, apresentada ao mesmo tempo que a do consórcio internacional, em Fevereiro de 2001.Quanto a Robert Horvitz, (nascido a 8 de Maio de 1947), é norte-americano e trabalha no Instituto de Tecnologia do Massachusetts. Descobriu genes que desempenham um papel fundamental no controlo do processo de morte celular no verme "Caenorhabditis elegans" e explicou a forma como interagem entre si. Identificou ainda no ser humano genes semelhantes aos do nemátodo. Estudar os mecanismos de morte celular é importante para compreender várias doenças. Alguns vírus e bactérias invadem-nos as células e causam a sua morte prematura- como acontece com a sida, várias doenças neurodegenerativas e cardíacas. Outras, como as doenças auto-imunes ou o cancro, caracterizam-se pela sobrevivência de células que deveriam morrer."A investigação sobre a morte programada celular é intensa, e inclui o campo do cancro. Muitas estratégias de tratamento baseia-se na estimulação do 'programa de suicídio' celular. Para o futuro, este é um campo cheio de desafios a explorar", afirma o comunicado da Fundação Nobel.