Connery, Sean Connery
Só mesmo o homem mais sexy do século (eleição da People Magazine, 1999) podia ficar para sempre na nossa memória intrincado na imagem do mais sexy agente secreto do mundo. Para o bem e para o mal. O nome dele é Connery, Sean Connery.
Há boas notícias e más notícias a propósito do muito falado possível regresso de Sean Connery aos filmes James Bond. A boa notícia é que Connery pode estar interessado. A má notícia é que ninguém ainda lhe fez a oferta.Desde que Pierce Brosnan ressuscitou a série, têm corrido rumores incessantes de que Connery voltaria àquela que é a mais popular - e a mais rentável - saga cinematográfica de sempre. Não como James Bond. Mas como pai de James Bond, tal como, aliás, se especulou que aconteceria no novíssimo "Die Another Day", o vigésimo filme que assinala o 40ª aniversário de Bond no cinema, e em que Sean Connery apareceria em "flash backs" numa cena em que se iria explicar a morte do pai do mais famoso agente secreto do mundo.Também se disse que Connery havia de regressar como vilão: a "entourage" Bond fez algumas alusões manhosas a esse respeito, Brosnan afirmou que tinha esperanças de que tal acontecesse, e os fãs já se regozijavam com esta invulgar reviravolta".Tendo entrevistado Connery inúmeras vezes, desde uma primeira conversa em 1993, o assunto Bond é um tópico de discussão que frequentemente - inevitavelmente - surge. Nesta mais recente conversa encontrei o actor a ponderar - e não necessariamente a afastar - um reencontro com James Bond."Agora estou todos os anos a ouvir falar do meu suposto regresso", admitiu Connery, descontraidamente sentado a uma mesa no último andar do imponente Caledonian Hotel, o qual fica mesmo ao lado do Castelo de Edimburgo - a essência do passado guerreiro da Escócia. Vestido de forma simples e elegante (uma t-shirt preta e calças também pretas), o actor de 72 anos e cabelo grisalho continua a possuir uma presença majestosa. Não importa o tamanho de uma sala, Connery parece enchê-la. É uma espécie de autoridade física, que se deve em parte ao metro e 87 de altura, mas sobretudo à personalidade. Quando se senta para conversar, limpa de imediato a mesa à frente de todos os obstáculos - copos, um arranjo floral - de maneira a ter um canal de comunicação totalmente desobstruído. Debruçado, com os cotovelos apoiados sobre a mesa e os dedos entrelaçados, não está com meias medidas, seja a falar de filmes ou de política."Não me foi feita qualquer proposta oficialmente [de regresso aos filmes Bond], por isso não sei..." assegura Connery com um encolher de ombros. "Ninguém me telefonou. Ainda não me ofereceram nada. Eu de certeza que avaliaria qualquer proposta, ponderá-la-ia... acho mesmo que não o conseguiria evitar. Mas, para ser sincero", junta com o seu característico sorriso de esguelha e sobrancelha arqueada e levantada, "acho que eles não teriam dinheiro para me conseguirem".Sean Connery sempre manteve uma relação de amor-ódio com o seu alter ego. Foi Bond que fez de Connery uma sensação mundial e foi Bond sem dúvida o maior impulso da carreira cinematográfica do actor de humildes origens escocesas. Mas, quando a Bondmania tomou o mundo de assalto em meados dos anos 60, Connery viu-se preso no centro de uma tempestade que tomara proporções ao estilo da Beatlemania. James Bond e os Beatles foram os dois maiores ícones da cultura popular a emergir daquela década.Sean Connery tinha acabado de interpretar um perverso assassino em "A Grande Aventura de Tarzan", e tinha andado a cantarolar no filme de animação da Disney "Darby O'Gill and the Little People", quando recebeu um telefonema de dois produtores norte-americanos - Albert Broccoli e Harry Saltzman - que lhe mudaria a vida. Broccoli e Saltzman tinham adquirido os direitos de vários dos popularíssimos romances de Ian Fleming, protagonizados pelo agente secreto James Bond, e estavam interessados em conhecer o jovem actor escocês.Para o papel de Bond, porém, os produtores estavam a ponderar candidatos um pouco mais polidos como Cary Grant, David Niven, Richard Burton, Trevor Howard, Peter Finch, James Mason, Roger Moore e até Jimmy Stewart. Mas depois apareceu-lhes Connery com aquele andar dele, uma espécie de pavonear dengoso que Broccoli mais tarde descreveria como "a ameaçadora elegância de uma pantera a deambular em busca de presa". Vestido de forma humilde e com o seu profundo sotaque escocês, Connery apresentou a sua visão de Bond, dando murros na mesa para fazer valer os seus argumentos, e depois saiu em passos lentos como quem não tem um destino predeterminado, deixando os dois produtores perplexos e mudos."Movi-me de forma poderosa e com controlo sobre as coisas" explica Connery sobre esse dia. "Não com peso, mas para mostrar como é que James Bond tem sempre controlo em cena". Funcionou. Assim como funcionou o preço que pedia, de apenas 16.500 dólares (os outros eram demasiado caros para o orçamento de um milhão de dólares de "Dr. No", o primeiro filme).Sean Connery preencheu por completo Bond, juntando uma arrogância aristocrática à personagem que Fleming construíra como um britânico de classe alta extremamente eficiente. Também injectou em 007 um ingrediente profundamente alheio ao Bond de Fleming: o humor. Um humor que apareceu sob a forma de traquinices - sendo Miss Moneypenny, a secretária do "patrão" de Bond, o alvo mais frequente - e riquíssimas observações de sentido duplo. O Bond de Connery tinha uma leviandade e uma crueldade inata, mas era também ágil quanto basta para se esquivar aos mais bem desferidos socos, já para não falar dos pontapés dados com sapatos com lâminas ou dos chapéus de coco com abas de aço afiado que eram lançados contra ele.Estudiosos da cultura popular atribuem o sucesso do fenómeno 007 à necessidade que a América tinha de encontrar um herói de modos delicados após o assassinato do Presidente John F. Kennedy, um ávido leitor dos romances de Fleming. Kennedy não só colocou "Ordem Para Matar" na lista dos seus livros favoritos, em 1960, como convidou Fleming para jantar na sua casa em Georgetown.No limiar da revolução sexual dos anos 60, os Beatles davam conta das raparigas, mas todas as mulheres queriam Bond. E todos os homens queriam ser Bond. A única excepção era o próprio Sean Connery.Conforme a Bondmania se tornava num fenómeno internacional, Connery começou a preocupar-se seriamente com o facto de o personagem estar a sufocar a sua carreira. Nunca se sentiu confortável com a louca adulação e atenção que lhe era dirigida. Numa ocasião - durante as filmagens de "Só Se Vive Duas Vezes" em Tóquio - Connery estava a jantar num restaurante e tendo a certa altura ido à casa de banho deu de caras com um fotógrafo a tirar-lhe fotografias enquanto urinava. Foi a última gota. Terminadas as rodagens de "Só Se Vive Duas Vezes", em 1967, Connery disse nunca mais e anunciou que estava de partida. Mas depois da tentativa menos bem sucedida de George Lazenby no papel de 007 Connery foi atraído a regressar, para "Os Diamantes São Eternos", com uma oferta irrecusável (1,4 milhões de dólares, mais uma percentagem nos lucros). Connery tornou público que iria doar o seu salário por completo a uma obra de beneficência - o Scottish International Educational Trust. A sua ajuda a este e outros fundos continua até hoje.A seguir, Connery disse nunca mais outra vez e rasgou a sua licença para matar. Com Roger Moore a entrar com êxito no papel, logo na sua estreia em "Vive e Deixa Morrer", Connery sentiu que estava um passo mais perto de afastar o passado e continuar o seu rumo, oferecendo desempenhos excelentes em diversos filmes, entre eles "Crime no Expresso do Oriente" (1974), "O Homem que Queria Ser Rei" (1975) ou "Robin e Marian" (1976).Mas em 1983 Sean Connery fez "Nunca Digas Nunca Mais", que marcou o seu retorno ao papel. Connery afirmou que terá sido a sua mulher, Micheline Roquebrune, que o persuadiu a revisitar Bond: "Porque não fazer o papel? O que é que arriscas? Depois de todos estes anos pode ser bem interessante", desafiou-o ela. "Quanto mais pensava naquilo, tanto mais achava que Micheline tinha razão. E também tinha uma certa curiosidade". Mas, apesar de o entusiasmo do público ter sido enorme, a produção falhou no objectivo de igualar o tremendo sucesso de bilheteiras que o "episódio" oficial Bond desse ano, "Operação Tentáculo", alcançou.As confusões de bastidores no que toca à produção e uma série de conflitos com o realizador, Irvin Kershner, deixaram Connery desalentado com toda a experiência, acabando o actor por se manter longe dos filmes até para lá de meados dos anos 80. E então reemergiu. E reemergiu em grande forma, em "O Nome da Rosa" (1986), "Indiana Jones e a Última Cruzada (1989) "Caça ao Outubro Vermelho" (1990) e, acima de tudo, "Os Intocáveis" (1987), onde, como Jimmy Malone, ganhou o Óscar de Melhor Actor Secundário.Connery afirma que não viu nenhum dos últimos Bond com Pierce Brosnan. "Vi só uns bocadinhos aqui e ali em viagens de avião, e essa não é certamente a forma justa de os julgar". Mas rapidamente faz questão de também esclarecer: "até os meus próprios Bond, acho que só vi dois ou três daqueles que fiz". Daquilo que viu, porém, dá notas máximas ao retrato elaborado por Brosnan. "Não estou nada surpreendido com o sucesso que tem tido.""Mas sempre senti que tudo estava muito mais dependente da combinação entre ele e quem iria realizar o filme. E de quem é que ia fornecer um bom argumento", argumenta, para explicar aquilo que julga ser necessário para ressuscitar os filmes Bond. "Não tenho quaisquer dúvidas de que têm que ser repensados. Já sugeri que deviam chamar alguém como o [Quentin] Tarantino e fazer um autêntico desvio. Mas por outro lado, veja-se o sucesso que estes últimos tiveram..."E qual é o filme Bond favorito de Sean Connery? "Creio que tenho que escolher 'Ordem Para Matar': pesado na intriga e leve na tecnologia", declara sem qualquer hesitação.Aos 72 anos, Connery poderia com certeza simplesmente descansar, passando o tempo a tomar banhos de sol na sua casa à beira-mar ou a praticar o seu jogo de golfe. Mas continua a representar, porque, conforme o próprio apontou como uma questão de facto, isso fá-lo feliz. "Dá-me a oportunidade de ser alguém melhor e mais interessante do que eu próprio sou", declara sorridente. Há outra coisa que o mais famoso filho da Escócia (as palavras "Escócia Para Sempre" estão tatuadas no braço direito) não deixa de fazer: apoiar o SNP (o Partido Nacionalista Escocês), o que já faz há 30 anos, e a luta por uma Escócia independente do poder de Londres. A missão que chamou a si próprio é a de motivar os escoceses a tomarem decisões por e para si próprios.Tendo recusado o título de Cavaleiro em 1997, devido à sua determinação de que a Escócia caminhe para a total independência, Connery acabou por aceitar a honra - e o título - em Julho de 2000 das mãos da rainha Isabel II. Tendo em conta o seu determinante papel na indústria cinematográfica e o contributo de relações públicas dado aos serviços secretos de Sua Majestade, este foi um sinal de apreciação há muito devido. Connery fez questão de receber o tributo em Edimburgo, a sua terra-natal, envergando um kilt com o padrão do clã da mãe. E recebeu-o como uma honra para si próprio "e para a Escócia".É então concebível agora que Sir Sean Connery possa admitir que mais facilmente promoverá mudanças para a Escócia se se candidatar a um cargo político? "Não, não, não", insiste, abanando a cabeça em recusa. "Não sou político e não tenho qualquer intenção em sê-lo". Mas como ele já antes aprendeu, nunca se pode dizer nunca.* Exclusivo PÚBLICO/IFA