Thomasz Stanko abre Festival de Jazz do Porto
O trompetista polaco e nome maior do jazz europeu, Thomasz Stanko, sobe hoje à noite ao palco do Rivoli para dar início à 12ª edição do Festival de Jazz do Porto. Os concertos prolongam-se até meio de Novembro, altura em que o trio de Kenny Wheeler dará a mostra por encerrada.Stanko, cuja carreira se estende por quatro décadas, lançou este ano "The Soul of Things", álbum em que experimentou uma nova formação, composta por três jovens músicos polacos: Marcin Wasilewski ao piano, Slawomir Kurkiewicz no duplo-baixo e Michael Miskiewicz na bateria. Será, em princípio, esse o quarteto que se apresentará aos portugueses, o que, a confirmar-se, é uma excelente notícia - a avaliar por "The Soul of Things", a empatia entre os quatro é grande.Algures entre o "free-jazz" de Ornette Coleman e as paisagens melódicas do jazz europeu, Tomasz Stanko, com mais de 40 anos de trabalho enquanto instrumentista, intérprete, líder de grupo e compositor, teve este ano um dos pontos mais altos da sua carreira com "The Soul of Things", muito bem recebido pela crítica especializada, obra em que o espaço e os silêncios são explorados de forma muito própria e em que o experimentalismo convive lado a lado com as estruturas mínimas da melodia. Resultado: um álbum que, sem ser solar, emana paisagens crepusculares.Enquanto líder e compositor, a carreira de Stanko remonta a 1970, ano em que se estreia nas lides discográficas com "Music for K", álbum hoje difícil de encontrar, mas que as enciclopédias catalogam como ainda estando demasiado próximo do som "free" americano. Apesar disso, os críticos são unânimes em realçar que, ao contrário da maior parte dos músicos "free", Stanko assenta a sua música deliberadamente na composição, o que, parecendo um contrasenso, levou na prática Stanko a bons resultados nos anos vindouros. "Music for K" era dedicado a Krizstof Komeda, pianista e compositor de cujo grupo Stanko fez parte, e de quem herdou o lado "cinemático". Komeda havia ganho notoriedade nos anos 50 com a banda sonora de "Faca na água", filme de Roman Polansky, e acabou por fazer todas as bandas sonoras do realizador polaco. Em 1997, a convite de Manfred Eischer (o senhor ECM), Stanko grava "Litania", um estupendo disco em que executa versões de temas de Komeda, alguns dos quais pertencentes às ditas bandas sonoras, entre eles os magníficos "Svantetic" e "Night-time, Daytime Requiem" (este a conjugar de forma seminal o lado "free" e a contemplação do jazz de leste).De entre as obras disponíveis de Stanko, há pelo menos outras três que são de altíssima qualidade: "Bossanova and other Ballads" (da editora GOWI), "Leosia" (ECM), que muitos consideram a obra-prima do compositor polaco, e, em 2000, "From the Green Hill" (ECM), gravado com um supergrupo que incluía John Surman no saxofone barítono e Dino Saluzzi no bandoneon. Nele, Stanko entra mais uma vez pelos territórios do "free", mas explora a folk e a música de igreja, bem como a contenção de Miles ou Chet Baker, nos momentos mais melodiosos e dinâmicos. Talvez o mais belo disco de Stanko.No que toca aos restantes concertos, o destaque vai obviamente para o trompetista americano Kenny Wheeler, que encerra o festival acompanhado pelo piano de John Taylor e o contrabaixo de Ricardo Del Fra. Os trios dos pianistas Esbjorn Svensson e Jason Moran podem constituir boas surpresas, apesar de o sueco ser uma incógnita. Proposta que se reveste de uma certa curiosidade é a do cruzamento entre o Remix Ensemble e a Orquestra de Jazz de Matosinhos, liderada pelo pianista e compositor Carlos Azevedo. Ainda de realçar os café-concertos no Rivoli e os seminários: um de trombone, outro de trompete e um de secção rítmica, no que toca à instrumentação, e ainda uma "masterclass" de voz.