tarados da série B
Ed Wood está em evidência esta semana. Mas uma inesperada conjuntura destaca a série B na exibição cinematográfica portuguesa - "Tarados de Oito Patas" e "Reino de Fogo".
Afinal, o que é isso de "série B"? O termo tem um contexto histórico específico, tendo nascido nos anos 30 para caracterizar os filmes de baixo orçamento que os estúdios produziam para funcionarem como segunda parte de uma "double-bill" (uma sessão composta por dois filmes), de modo a atraírem os espectadores empobrecidos da Grande Depressão, oferecendo-lhes dois filmes pelo preço de um. Salvo raras excepções, era para a série B que estavam remetidos géneros considerados menores, como o terror, a ficção científica, o filme "noir" e o fime de "gangsters". Nos anos 50, com o aparecimento da TV, os estúdios passaram a utilizar outras tácticas para conquistar espectadores - ecrãs gigantes, efeitos 3-D, "Technicolor"- e a produzir um número drasticamente inferior de filmes por ano, contribuindo assim, em meados da década, para o fim do típico filme de série B de Hollywood e da tradicional "double-bill". No entanto, o termo sobreviveu e passou a designar os filmes de baixíssimo orçamento produzidos por companhias independentes, como a American International Pictures ou a Producers Releasing Corporation, e terminados em poucos dias. Acima de tudo, um tipo de cinema directo e eficaz, e é nessa acepção que o termo é utilizado hoje, para definir os filmes que apresentam essas características, independentemente do seu orçamento. Neste sentido, "Tarados de Oito Patas", de Ellory Elkayem, e "Reino de Fogo", de Rob Bowman, em exibição nas salas, são paradigmáticos, revisitando, com típica simplicidade e economia narrativa, os saudosos "monster movies" dos anos 50. O primeiro é uma divertidíssima paródia/homenagem às delirantes e "campy" ficções de terror da época, em que, por um acidente (a radiação era a causa mais frequente, explorando o medo de um conflito nuclear), determinados animais assumiam proporções gigantescas e atacavam os humanos. "Attack of the Crab Monsters" (caranguejos), "Them" (formigas), "Tarantula" ou "Earth vs. the Spider" (aranhas) são exemplos clássicos e "Tarados de Oito Patas" é quase um decalque deles, quer no cenário da acção (a cidadezinha no meio do deserto), quer na causa da ameaça (com os produtos tóxicos a fazer a vez da radiação). Mas a recuperação do imaginário dos "fifties" não se fica por aqui, já que o filme remete também para os filmes de ficção científica sobre invasões de extraterrestres, que mais não eram do que alegorias (pouco subtis) da "ameaça vermelha", no auge da paranóia da Guerra Fria: "Invaders from Mars", "Red Planet Mars" ou "Invasion of the Body Snatchers" (do mestre Don Siegel, e o melhor e mais ambíguo de todos, já que pode ser visto também como denúncia do reaccionarismo reinante na América dessa década) são alguns dos títulos mais sugestivos de uma lista interminável. Aliás, é para explicitar essas memórias que "serve" a personagem do maluco das teorias de conspiração, uma das mais bem conseguidas do filme. Outra das virtudes de "Tarados de Oito Patas" é a saudável recusa de se levar a sério, dando às aranhas gigantes características humanas, como se falassem e rissem, o que aproxima o filme de um desenho animado e (com as devidas distâncias) do cinema anárquico de um Joe Dante. Já o segundo filme, "Reino de Fogo", adopta um tom mais "sério", embora enverede por uma via mais fantástica, ao introduzir na narrativa criaturas lendárias como os dragões. Neste caso recupera-se um outro tipo de "monster movies", também em voga nos anos 50, no qual criaturas indescritíveis iniciavam uma marcha destruidora, com especial apetência pelas grandes metrópoles (Londres, Nova Iorque, Tóquio, ...). O pioneiro desta vaga foi o monstro pré-histórico de "The Beast from 20,000 Fathoms", logo seguido por "Godzilla" - instituição japonesa, chegou a lutar com King Kong (!), o pai de todos os "movie monsters" -, "Gorgo", "The Giant Behemoth" e outros. O início de "Reino de Fogo", com o dragão há muito adormecido a ser acordado pela acção humana, inscreve desde logo o filme nessa linhagem. Mais ambicioso do que "Tarados de Oito Patas", é uma amálgama ainda maior de géneros e estilos, não só cinematográficos, mas também literários: o futuro pós-apocalíptico em que a acção decorre, com os últimos sobreviventes agrupados em pequenas comunidades, recorda a Austrália de "Mad Max 2" e o recurso aos dragões convoca uma tradição literária de lendas e mitos, tal como a figura composta por Christian Bale, que em criança foi o primeiro a ver o dragão, estando por isso destinado a derrotá-lo, com a ajuda da única arma capaz de o fazer, numa clara alusão à "excalibur" da mitologia arturiana. O lado medieval é também realçado pelo "castelo" onde a comunidade liderada por Bale se refugia e que deve ser defendido dos ataques do inimigo. Por seu lado, a personagem de Mathew McConaughey, pela sua dimensão bárbara, remete para os "peplums" e para o género da "sword and sorcery" (o machado que carrega não podia ser mais explícito).