Cientistas voltaram ao último vulcão dos Açores
O vulcão submarino da Serreta, ao largo da ilha Terceira, nos Açores, já adormeceu, mas isso não significa que os cientistas lhe virem as costas. Vários investigadores portugueses regressaram, nos últimos dias, ao local onde se deu a última erupção vulcânica dos Açores, noticiou a agência Lusa. Recolheram amostras de cinzas vulcânicas e fragmentos dos balões de lava cheios de gases, um fenómeno desconhecido até a esta erupção. Nunca antes de 18 de Dezembro de 1998 - quando os pescadores açorianos avisaram as autoridades da existência de colunas de fumo a cerca de dez quilómetros da Ponta da Serreta, no canal entre as ilhas Terceira e São Jorge - o modelo eruptivo deste vulcão havia sido observado, nem descrito na literatura científica. Manifestou-se por blocos escuros de lava fumegante que irrompiam à superfície: eram como balões de lava, pois encontravam-se cheios de gases, graças aos quais ascendiam até à superfície. Depois de flutuarem uns minutos e libertarem o gás que estava lá dentro, iam estalando e, quando arrefeciam, acabavam por se quebrar e afundar. O vulcão submarino da Serreta esteve em actividade até Agosto de 2001, data do último relato de pescadores que disseram ter visto fumos no mar. Nunca chegou a formar qualquer massa geológica de superfície e apresentou outra particularidade: não era propriamente um vulcão, ainda que na linguagem corrente o fenómeno fosse assim identificado. Não era pois uma montanha que cospia lava, mas antes um sistema vulcânico composto por diversas fracturas na crosta terrestre, ao longo das quais a lava era expelida por vários focos.O facto de o magma ser bastante fluido determinou que a erupção se desenvolvesse num estilo menos explosivo e a lava acabasse por sair do fundo do mar ao longo dos acidentes tectónicos que caracterizam aquela zona. O que saía por estas fracturas eram, precisamente, os tais balões de lava. Agora, já não há balões, nem gases esbranquiçados. Mas diversos cientistas - do Centro de Vulcanologia da Universidade do Açores, da Faculdade de Ciências e do Laboratório Marítimo da Guia, ambos da Universidade de Lisboa - regressaram ao local no sábado. "Não há nenhuma actividade visível à superfície, nem em profundidade. Os perfis com sonar mostraram que o fundo oceânico está à mesma profundidade do ano passado", diz ao PÚBLICO João Luís Gaspar, director do Centro de Vulcanologia da Universidade dos Açores. O vulcão, recorde-se, provocou a subida dos fundos marinhos, através de vários focos eruptivos a profundidades entre os 250 a 800 metros. "A situação sismo-vulcânica está estacionária: significa isto que, não apresentando provas de actividade vulcânica propriamente dita, vai-se caracterizando por ter alguma actividade microssísmica, como outras zonas do arquipélago, e mantendo provavelmente alguma actividade hidrotermal nas fracturas. É o normal", refere o geólogo. "O sistema está a atravessar uma fase de repouso neste momento."O coordenador desta missão, Fernando Barriga, da Faculdade de Ciências de Lisboa, completa: "A Serreta nunca foi caracterizada por intensa actividade sísmica, nem sequer acompanhando a erupção - o que levanta a possibilidade de este tipo de erupção ser mais frequente. Como não são detectadas pelos registos sísmicos, é necessário que haja observações visuais. Mas, se as erupções forem longe das ilhas ou da rota dos navios pesqueiros, é possível que não sejam observadas."Edifício vulcânico desconhecidoA bordo do navio "Arquipélago", da Universidade dos Açores, os investigadores lançaram dragas até ao fundo, e de lá trouxeram cinzas vulcânicas e pedaços dos tais balões de lava. "Temos material da Serreta proveniente de profundidades consideráveis, até 1600 metros. Mas são produtos depositados por queda, não é nenhum edifício vulcânico", refere Fernando Barriga, acrescentando que também se recolheu material junto de focos eruptivos menos profundos, a 300 metros. Todavia, a parte mais importante da missão, que deveria prolongar-se até à próxima segunda-feira, foi ontem adiada para finais de Outubro, por causa do mau tempo na região. Um veículo operado remotamente, ou ROV, na sigla inglesa, iria lá a baixo tirar imagens do fundo. "Íamos levar o ROV até a pontos menos profundos da erupção, a 250 a 300 metros", diz Fernando Barriga. Depois, o robô submarino regressaria ao navio e os investigadores lançariam os equipamentos de amostragem nos mesmos locais, para terem amostras dos sítios observados. A descida do ROV, que vai a menos de 400 metros, poderia esclarecer um dos aspectos desconhecidos do vulcão da Serreta - o tipo de edifício vulcânico construído nos focos eruptivos. Não se sabe, por exemplo, se se formaram cones. "Os pontos de erupção nunca foram observados. Quando estivemos lá com o ROV, em 1999, os pontos eruptivos estavam a profundidades ligeiramente superiores a 400 metros", conta Fernando Barriga. "As amostras e imagens são importantes para caracterizar melhor o fenómeno, que foi invulgar", resume João Luís Gaspar. Esta missão ao vulcão da Serreta insere-se no projecto mais amplo, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, sobre a geologia e a geofísica da ilha Terceira e da região circundante.